Começou ontem (às dezassete horas e dezasseis minutos) e acabou hoje (passavam dezoito minutos da meia noite) mais uma sessão da assembleia municipal. Mas o que merece referência não é a duração de tal sessão, quase sete horas, subtraídas as duas interrupções breves que houve. O que merece referência é o regresso da política àquele órgão. Demasiado entretido com paranóias, miudezas e enredos conspirativos e arcanos, confortado em atitudes e práticas típicas de gente emproada - às vezes o poder sobe à cabeça e dá para empinar -, o pessoal eleito pelo ps para a câmara municipal foi surpreendido. Como quem carrega sua majestade no estômago, esqueceram-se que não basta dar serventia à matilha clientelar e acomodá-la na granja municipal ou pôr o pessoal adepto e serventuário a circular entre as sinecuras e os despojos do município para garantir a aprovação do que propõem ou defendem. Esqueceram-se em particular que as posições ou propostas que defendem devem ser fundamentadas por exercício de juízo e escrutinadas no âmbito de debate público, valendo em função da resistência dos argumentos aduzidos. Como o uso excessivo da linguagem de guindaste tende a produzir um efeito de auto-ilusão, esqueceram-se que não é com retórica balofa e argumentação insensata ou frouxa que se consegue persuadir quem quer que seja. Daí que não espante que, quando a exigência revelada pelo pessoal das oposições é maior, escorando a posição respectiva em argumentos sensatos e fortes, a sustentação de propostas defendidas pelo pessoal eleito pelo ps para a câmara municipal revele-se não apenas débil mas também pungente. O facto de duas propostas não terem colhido apoio político suficiente no final da sessão assembleia municipal é em grande medida consequência disso.
*
* *
O ponto 2.19 da ordem de trabalhos respeitava à proposta de alteração do estatuto da srufátima pretendida pelo pessoal eleito pelo ps para a câmara municipal. Tal proposta não foi aprovada e ainda bem que não foi. De acordo com a exposição de argumentos apresentada por José Poças das Neves em nome da bancada do psd, a proposta era uma aberração e não pequena. Aparentemente a alteração proposta pretendia apenas alargar a área de intervenção da srufátima, estendendo-a ao território integral da freguesia de fátima, mantendo-se o objecto de tal empresa municipal e as missões que lhe foram entregues. Porém, analisando de modo mais detalhado o articulado do estatuto submetido à assembleia municipal, percebe-se que a proposta rejeitada pretendia um alcance maior. Tratava-se não só de uma operação de descaracterização da srufátima enquanto entidade criada e vocacionada para operações de reabilitação urbana, operações circunscritas no motivo, no objecto e no tempo, mas de uma manobra casada com a tendência de desconsiderar a freguesia de fátima como entidade parceira do município, tendência que tem vindo a pautar de modo acentuado a acção da maioria actual no executivo camarário. E aí está em todo o esplendor um dos efeitos perversos da criação do pelouro fátima e do modo como o mesmo foi e continua a ser assumido: o desperdício, por sectarismo e oportunismo políticos, do acumulado de cooperação entre o município e a freguesia de fátima, baseado na coordenação e concertação de esforços e recursos de tais autarquias locais, e que, como é reconhecido, no passado recente permitiu servir melhor os fatimenses. Até quando é que o pessoal eleito pelo ps para a câmara municipal continuará a entender que há incompatibilidade entre a srufátima e a freguesia de fátima?
*
* *