O chícharo

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Interessantíssimo o que Henrique Pereira dos Santos escreve aqui - no ambio - e que eu aqui reproduzo, para que seja lido e difundido por esse Portugal fora:

Chícharo, tanto pode ser o feijão frade, mais para norte, como uma coisa entre o tremoço e o grão, nos calcáreos do Centro.
Era uma cultura pobre, usada na rotação pobre da produção de cereais de Inverno. Essencialmente nas terras de milho de sequeiro (ou trigo, nas terras mais pesadas e barrentas) a leguminosa mais usada era a fava, e na produção de centeio e cevada, nas terras pobres, usava-se o chícharo e o tremoço. Enfim, a coisa não era assim tão simples mas para o que aqui quero serve.
Esta cultura esteve quase morta.
Aos poucos, algumas câmaras da zona, com destaque para Alvaiázere, e alguns grupos de pessoas (o rancho folclórico de Chãos e a sua cooperativa Terra Chã, por exemplo), retomaram o interesse pelo produto e hoje aparentemente está em expansão e é razoavelmente caro (como digo, era uma cultura complementar da rotação pobre, portanto mais que marginal na criação de valor da zona, sendo que a criação de valor se fazia mais pela fixação de azoto para o cereal, que propriamente pelo produto que se colhia). Os restaurantes da região já quase todos têm uns pratos de chícharo, e é omnipresente no trabalho que tenho estado a desenvolver com as terras de sicó, baseado num dos capítulos do livro que escrevi, o da alimentação e paisagem. Neste trabalho, para além do Luís Jordão, tem sido fundamental o Chef António Alexandre, com quem temos feito umas acções de formação para os restaurantes da zona, procurando por um lado fomentar o uso de produtos locais, por outro chamar a atenção para a sua relação com a gestão da paisagem. A recuperação do chícharo é um bom exemplo do que se pode fazer (e das dificuldades) na conservação da biodiversidade agrícola e da outra que lhe está associada.
~Mas se o trabalho com produtos se vai fazendo, mais difícil tem sido ligar o produto à cadeia de produção.
Parte dessa dificuldade está claramente identificada: a paranóia higienista que impede um restaurante de fechar ciclos de uma forma eficiente.
Por exemplo, aproveitar os restos para cevar um porco, ainda se conseguiria em algumas circunstâncias (embora fosse difícil ter o porco na proximidade da maioria dos restaurantes, introduzindo ineficiência da produção). Mas depois, matar o bicho já não se pode, já teria de ir para o matadouro. E depois guardar um caneiro de banha menos ainda (embora se possa ter um balde de plástico com banha industrial, que não vale um caracol). Bem se queixam os formandos que por mais de usem o sangue que compram no talho, não conseguem fazer uma cabidela de jeito. E não têm alternativa porque não os deixam matar umas galinhas.
Na realidade há razões para a mão pesada dos organismos de velam pela higiene dos restaurantes (neste momento sobretudo a ASAE). Mas o Estado português adoptou o seu modelo clássico de actuação: em vez de confiar nas pessoas e ter mão pesadíssima para quem não cumpra normas estabelecidas quanto aos produtos finais, optou por uma regulamentação preventiva excessiva.
No fundo, em vez de encerrar o negócio a quem tenha produtos estragados, passou a exigir o controlo de todo o processo de produção, o que, por exemplo, inviabiliza que nestas alturas de crise alguém use os seus dotes culinários cozinhando em casa para espaços públicos.
O resultado só pode ser o da fuga à lei, o da compra do fiscal, o da assimetria de informação que distorce os mercados. E do ponto de vista ambiental, a maior dificuldade para que alguém se diferencie pela fidelidade a modos de produção ligados à terra.

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