operação «choque e pavor»

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Depois da última campanha eleitoral autárquica - das afirmações e tomadas de posição (tipo «o município tem uma dívida de quase 50 milhões de euros») e dos slogans (tipo «onde é que pára o dinheiro?») -, espanta que alguém eleito pelo ps, designadamente Paulo Fonseca, esteja surpreendido com o estado desgraçado em que se encontram as finanças municipais (vide Notícias de Fátima, n.º 485, 4.dezembro.2009, p. 4 e Notícias de Ourém, n.º 3752, 4.dezembro.2009, pp. 6-7). Espanto que aumenta quando se constatam duas coisas. Á. O valor da dívida do município apurado no final de outubro deste ano quase coincide com o valor inscrito no relatório de contas referente ao exercício de 2008 - portanto, segundo os dados apresentados, o endividamento municipal não aumentou (1). Bê. A diferença entre as receitas e as despesas previstas para 2010 corresponde a aproximadamente 10 milhões de euros - mais despesas do que receitas -, justamente o que tem vindo a acontecer desde 2004 (2). Em síntese, embora o presidente da câmara municipal se revele surpreendido com o que encontrou e com o que tem sido confrontado, a informação apresentada na última sessão da assembleia municipal não reflecte um agravamento da situação, indicia apenas a permanência da desgraça. O que, se não é motivo para surpresa, não significa que seja motivo para alívio.

Paulo Fonseca assumiu o mandato de presidente da câmara municipal no momento em que o cúmulo de problemas criados pela «gestão» do psd atingiu o zénite. Ilusionismo e malabarismo misturados com incompetência e irresponsabilidade produziram um resultado desastroso. Se antes foi tentado ocultar e iludir o problema - não para o resolver, mas para continuar como se não houvesse problema, agravando-o -, agora os efeitos e as consequências da bronca sucedem-se e não há como ou quem queira disfarçar o que está a acontecer. Isto pode chocar e apavorar, mas não era imprevisível e inesperado. Mais cedo ou mais tarde, quando por aqui deixassem de andar a fingir ou distraídos, o descalabro haveria de manifestar-se com dureza e publicidade. É o que está a acontecer. Neste sentido, se não teve responsabilidade maior no que respeita à geração da desgraça, o ps tem a responsabilidade de a resolver. E ainda bem que é o ps que tem de pagar a factura. Porque o psd deu mostras sobejas tanto de não querer ver o problema quanto de não ter capacidade para o solucionar. O que, em termos políticos, reforça o ónus actual do ps.

O que é mais preocupante em tudo isto é a plêiade de efeitos decorrentes da falta de liquidez financeira do município e que, salvo terapia violenta ou intervenção extraordinária (3) - que permita reparar a tesouraria e as contas -, continuarão a limitar as gestão e operação municipais. Atente-se.

O município não está em condições de corresponder aos compromissos assumidos. Disto resulta a degradação das suas capacidade e imagem. O que, por sua vez, afecta o poder de atracção e de negociação dele.

Uma das consequências mais graves é a interrupção de fornecimentos e de serviços ao município por haver saldo devedor demorado. Como é óbvio, sem ovos não é possível fazer omeletas. Ou seja, um município sem recursos não pode prosseguir as atribuições respectivas.
Outra consequência, menos evidente mas igualmente grave, é a incapacidade de o município aproveitar condições vantajosas, como preços mais baixos ou descontos. Partindo do princípio de que há disponibilidade para continuar a fornecer a crédito, certo é que às entidades que pagam tarde e a horas más - como é o caso do município de Ourém - aplicam-se preços superiores e não se dá qualquer desconto.
Outra consequência ainda é o município ter de optar por produtos e serviços em função sobretudo do preço (o mais baixo que conseguir), em detrimento do factor qualidade. Como não é segredo, às vezes, mais vezes do que tende a admitir-se, o barato sai caro.
Também não são de negligenciar as consequências directas e indirectas da dívida do município sobre as empresas locais. As consequências directas decorrem do facto de as mesmas não receberem aquilo a que têm direito e, portanto, também elas poderem sofrer problemas de liquidez financeira por o município não liquidar as dívidas vencidas no momento devido. As consequências directas decorrem igualmente do facto de o município deixar de contar como cliente/consumidor fiável e, portanto, passar a não ser um agente que anima localmente a procura de bens e serviços. As consequências indirectas decorrem do facto de o município necessitar de mais receitas, o que - não havendo disposição a ou hipótese de reduzir a despesa - conduz a um aumento de impostos e taxas, aumento que afecta tanto as empresas quanto as famílias e, através destas, o poder de compra e a procura locais.
Num outro plano, a falta de liquidez do município afecta significativamente a sua capacidade de aproveitamento de oportunidades.

Mais imediatamente, a situação financeira do município prejudica a captação de fundos da união europeia, no sentido em que a candidatura aos mesmos pressupõe co-financiamento local, isto é, que o município tenha disponibilidade financeira para participar com determinada quota no investimento a fazer.
Outra limitação do município concerne ao exercício do direito de preferência sobre as transferências de propriedade de imóveis, em particular daqueles que tenham valor estratégico ou que estejam a ser transaccionados a valores claramente abaixo do mercado, perdendo-se assim um dispositivo de regulação e controlo do mercado imobiliário, o que proporciona condições para as fraude e evasão fiscais e também tem consequências ao nível da arrecadação municipal conseguida.
Outra consequência grave decorrente da falta de liquidez e do imbróglio que afecta as finanças municipais prende-se com a incerteza política. No caso de Ourém isto talvez não se aplique. Como a «gestão» do psd nunca foi orientada por uma atenção estratégica, a generalidade das realizações municipais foram acontecendo avulsas e «evoluindo» ao sabor dos elementos, sem qualquer cuidado de juízo planeador. Também agora a situação não há-de ser mais certa, no sentido em que, por causa da desgraça e por ter de acudir à resolução dela, a maioria actual na câmara municipal não tem condições para cumprir muitas das intenções e propostas que submeteu a sufrágio.

Não há condições para a implementação do orçamento participativo. Antes do saneamento financeiro do município, salvo mais transparência, quase nada há a fazer neste domínio. Porquê? Porque um dos pressupostos fundamentais do orçamento participativo é o seguinte: dentro de um leque de escolhas determinadas - em termos sectoriais e territoriais -, os munícipes podem fazer as suas opções e, deste modo, contribuir para a definição de prioridades. Ora se, porque insuficiente, o dinheiro já tem destino - para satisfazer compromissos assumidos previamente -, não existe espaço de participação e pronunciamento possível no quadro do processo orçamental.

Em face disto, que fazer? Mais do que publicitar surpresa - que, em grande medida, corresponde à assunção de uma distracção anterior -, importa encarar o problema, proceder ao diagnóstico rigoroso desse mesmo problema para o revelar melhor (também aos munícipes) e, sem desconsiderar os constrangimentos e limitações existentes, aproveitar as oportunidades que o problema propicia. Importa sobretudo prosseguir uma política diferente daquela que vigorou sob a batuta de David Catarino e Vítor Frazão. Ou seja, importa prosseguir uma política de contenção, redução e controlo da despesa corrente, ao mesmo tempo que, em relação à despesa de capital - ou ao investimento -, devem ser definidas e sequenciadas prioridades em função das necessidades e disponibilidade financeira existentes. Tudo isto sob o signo da transparência.
__________
(1) No final do exercício de 2008, a dívida a terceiros do município era de 35,7 milhões €, composta pelas parcelas seguintes: 16,8 milhões €, de dívida de prazo curto, e 18,9 milhões €, de dívida de prazos médio e longo (vide relatório de gestão do município de Ourém - 2008, p. 213). Segundo os dados apresentados na última sessão da assembleia municipal, no final de outubro de 2009, a dívida a terceiros do município continuava a ser de 35,7 milhões €, composta pelas parcelas seguintes: 6,9 milhões €, de dívida de prazo curto, e 28,8 milhões €, de dívida de prazos médio e longo. A diferença fundamental refere-se ao efeito do prede, que deslocou 11,4 milhões € da dívida de prazo curto para a dívida de prazos médio e longo. Refira-se ainda que a dívida de prazo curto apurada agora (6,9 milhões €) é superior à que podia ser estimada após o prede (16,8 - 11,4 = 5,4 milhões €). O que significa que, embora o total da dívida permaneça o mesmo, a dívida a fornecedores e prestadores de serviços continuou a aumentar. É o preço da falta de liquidez e do eleitoralismo.

(2) Por algum motivo, na apresentação feita na última assembleia municipal não foi revelada a projecção das receitas e das despesas estimadas, assim como da diferença entre umas e outras, referentes ao ano em curso. Pelo que, em termos públicos, não há informação sobre o défice esperado para 2009. Seja como for, quando se decidem e fazem despesa e investimento sem a correspondente disponibilidade financeira, não há-de ser difícil prever o que resulta.

(3) Em entrevista ao Jornal de Leiria (n.º 1325, 3.dezembro.2009, p. 14), Paulo Fonseca declarou ter solicitado audiência a um governante, no sentido de o pôr a par da situação financeira do município, procurando, por essa via e em termos consignado no regime das finanças locais, uma solução para o problema.

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