sinais, iv

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Uma iniciativa anunciada por Paulo Fonseca mas ainda com contornos nebulosos é o congresso sobre Ourém. Por ora pouco se sabe sobre o que será esse congresso. É para realizar-se em janeiro próximo, têm assento na comissão organizadora representantes das forças políticas que lograram eleitos para a assembleia municipal, é para todos e aberto a todos e tem como objectivo "promover um espaço de debate, de reflexão, de interiorização da nossa identidade cultural e social, para podermos, em conjunto, definir e orientar o caminho que queremos para o futuro" (Paulo Fonseca cit. in Notícias de Ourém, n.º 3748, 6.novembro.2009, p. 3). Exceptuando isto, princípios, nada mais transpirou para o público. Ora janeiro está quase aí, pelo meio há uma quadra festiva, e uma iniciativa deste género demora a ser organizada e preparada, tanto pela entidade que a promove quanto por quem pretende participar nela, dado ser uma realização aberta. Mas aberta em que termos? Se é para ser um forum de circunstância ou para consagração do poder novo, para se dizerem e ouvirem umas lérias, por mais reconfortante que seja dizê-las e ouvi-las, é mau caminho.

O que é necessário, o que falta há muito tempo em e sobre Ourém, é informação fidedigna, análise dessa informação e discussão dessas informação e análise em vários planos, nomeadamente o plano público alargado. Mas para a discussão pública surtir efeito é necessário um trabalho prévio, de recolha, produção e tratamento sistemático e crítico de informação. Se o congresso tem como objectivo proporcionar e congregar desabafos e opiniões avulsas, há-de valer pelo convívio que proporcionar, pelo folclore da cerimónia, e pouco mais. Enquanto ritual não deixa de ter valor, mas não serve ou serve mal os objectivos enunciados pelo presidente da câmara municipal. O ponto de partida para quem quer definir o caminho a seguir é informar-se sobre onde está, sobre como chegou ali, sobre o trajecto até onde quer chegar e sobre os meios de que dispõe e com que pode contar para percorrer esse trajecto. Ora onde está essa informação? Se se quer começar a esboçar um horizonte desejado, importa o envolvimento e a participação dos oureenses, mas importa que esse envolvimento e essa participação sejam motivados por elementos substantivos e criteriosos, não por impressões do tipo «eu acho que». É necessário perceber a trajectória do município nos mais diversos domínios, de modo mais detalhado a trajectória recente, e perceber a integração de Ourém em escalas geográficas diversas, o que implica exercícios de referenciação e comparação.

Afinal no congresso sobre Ourém irá falar-se concretamente sobre o quê? Educação?, saúde?, ordenamento do território?, cultura?, associativismo?, planeamento?, economia? Irá falar-se do vinho palhete?, da lampreia da ribeira de Seiça?, da nossa senhora de Fátima?, das pegadas dos dinossauros? De eleições e resultados eleitorais?, de clientelismo?, de cidadania?, de administração pública?, de políticas públicas?, de organização do estado? Irá falar-se sobre as empresas municipais e as empresas em que o município participa? Irá falar-se sobre associações de municípios e estratégia intermunicipal? Irá falar-se sobre tudo? Falar sobre Ourém, discutir o seu futuro, é falar sobre tudo isto e mais ainda. Porém, em termos práticos, falar sobre tudo é o mesmo que falar sobre nada, por a dispersão de tópicos a considerar ser grande. E o congresso realizar-se-á durante quantos dias? Terá sessões temáticas? E sessões plenárias? Quantas? Haverá congressistas convidados e de referência? Que tipos de intervenção estão previstos? E que tipo de debate? Enfim, qual é o programa? E, já agora, embora se entenda a intenção de constituir uma comissão organizadora plural, a pluralidade de tal comissão esgota-se nos partidos políticos?

As perguntas ainda sem resposta são tantas que fica a sensação de, por melhores que sejam as intenções e os enunciados de intenção, o congresso não será mais do que uma cerimónia de catarse ou um simulacro disso. E isto porque, insista-se, a base e a preparação que uma iniciativa do género exige para produzir resultados consequentes implica tempo e oportunidade de investimento e estudo sobre matérias várias e tantas, tempo que até janeiro não há. Talvez depois de levantados e espantados os fantasmas iniciais, então, comece o trabalho a sério, de fundo e em profundidade, de modo a chegar-se à superfície de outro congresso. Missão que passa por definir grupos de trabalho e reflexão restritos e sectoriais, que após alguma maturação começarão a abrir-se e a envolver mais elementos, representantes, especialistas e interessados, alargando o processo de reflexão e discussão pública, ao mesmo tempo que começa a desenvolver-se o trabalho de integração do produto dos diversos grupos, dando maior difusão ao resultado do trabalho já desenvolvido e acrescentando e estendendo ainda mais a discussão, até se atingir uma proposta de um projecto para Ourém que seja consensual.

Tal exercício não é uma empreitada do outro mundo. Se esta for a via adoptada, tão pouco é inédita por cá. Grosso modo, corresponde ao trabalho que foi desenvolvido no âmbito da preparação da candidatura do ps em 1997, quando Paulo Fonseca se perfilou como candidato a presidente da câmara municipal de Ourém pela primeira vez. Sendo que agora há a oportunidade de fazer o mesmo, com um enquadramento e um suporte institucional que, em princípio, permitirá chegar a um resultado mais adequado ao objectivo proposto: pôr os oureenses a pensarem Ourém como comunidade, escrutinando, através de informação válida e do debate, o destino que pretendem alcançar, imediatamente como município, mas também como município que pertence a uma região, a um país, a um continente, ao mundo, cada escala com os seus fundos e os seus limites, as suas oportunidades e os seus obstáculos, as suas dinâmicas e tendências, as suas instituições. Este é o trabalho nunca feito ou promovido pelo município de Ourém e que, com vantagem e nas condições actuais, importa fazer. Se não servir para muito mais, que o congresso sirva para despoletar a consciência de quão necessário é começar um processo muito mais complexo do que a realização de uma reunião magna, por mais pomposa e circunstancial que se pretenda que seja.

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