Chamem palhaços e acrobatas!

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Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas! *


O Estado de direito é uma invenção do caraças. Entre outros motivos, porque assenta em regras abstractas e universais que, uma vez definidas, tratam de igual modo os diferentes interesses e protegem-nos dos caprichos, das manias, dos humores ou das conveniências – enfim, das idiossincrasias ou das vontades - dos administradores. Isto é a tese.
A antítese é o que, por exemplo, se passa em Ourém. Há um plano de pormenor - «um papel», segundo o douto entendimento de David Catarino - que regula os processos de ordenamento e edificação numa determinada área da cidade de Fátima e que a Câmara Municipal, por motivos até hoje não claros, decidiu desconsiderar, contrariando e ofendendo, portanto, regras que ela mesma aprovou e que estão em vigor. Em si, isto já é suficientemente bizarro, pois as regras são para cumprir, não para cumprir conforme a real gana de David Catarino e do colégio de vereadores que, com ele, define a maioria no executivo municipal. (Se por algum motivo se verificar que as regras em vigor não são adequadas, a Câmara Municipal não tem legitimidade para, como fez no referido caso, deliberar contra essas mesmas regras. Conforme princípio básico do Estado de direito, o que tem a fazer é alterar tais regras, sem procurar favorecer ou prejudicar quem quer que seja). Adiante.
Tornada pública a referida bizarria, a Câmara Municipal, pressionada pela denúncia e por um grupo de fatimenses, tentou remediar o caso (vide Região de Leiria (n.º 3634, 10.Novembro.2006, p. ). Segundo consta, houve negociação e concertação. David Catarino até observou o caso in situ, reconhecendo que havia sido aprovado algo que não devia ter sido aprovado. Bonito. E sem qualquer problema. Porque, expedito – e provavelmente escorado em parecer jurídico e orientado pelo que aprendeu na famigerada pós-graduação sobre gestão urbana que frequentou -, propôs a revogação do referido plano de pormenor (vide Região de Leiria (n.º 3638, 7.Dezembro.2006, p. ).
Agora a síntese. Em termos práticos, haja ou não haja palhaços, malabaristas, prestidigitadores, balões, feras amestradas ou a N.ª S.ª de Fátima a animar a malta, esta sequência de episódios parece configurar a típica manobra de «pôr a carroça diante dos bois». É que ofender determinadas regras, primeiro, e, depois, só depois de ostensivamente violadas, revogar essas mesmas regras, é indício tanto de uma concepção de Estado de direito canhestra quanto de uma incapacidade de planeamento e de programação da acção municipal. Em abono desta última observação, convém não esquecer que as aludidas regras que agora se pretendem revogar não valem desde um passado brumoso e imemorial, mas, sim, desde um passado recente. Note-se que data de 1999 a publicação em Diário da República do tal plano de pormenor de que a Câmara Municipal fez tabula rasa.
Uma última nota. Numa leitura cruzada das notícias publicadas no Região de Leiria, constata-se que, embora José Alho, vereador socialista, tenha considerado a decisão que ofende o plano de pormenor “uma «injustiça gritante» para benefício de um espaço comercial”, a deliberação sobre a a revogação do referido plano, depois, “contou com os votos favoráveis de todo o executivo: PSD e PS”.

* primeira estrofe do poema «Fim», de Mário de Sá Carneiro

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Mas desde quando que em Ourém alguém se importa com o direito, quanto mais o estado de direito? As leis são para os outros.

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