o regresso da política

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Começou ontem (às dezassete horas e dezasseis minutos) e acabou hoje (passavam dezoito minutos da meia noite) mais uma sessão da assembleia municipal. Mas o que merece referência não é a duração de tal sessão, quase sete horas, subtraídas as duas interrupções breves que houve. O que merece referência é o regresso da política àquele órgão. Demasiado entretido com paranóias, miudezas e enredos conspirativos e arcanos, confortado em atitudes e práticas típicas de gente emproada - às vezes o poder sobe à cabeça e dá para empinar -, o pessoal eleito pelo ps para a câmara municipal foi surpreendido. Como quem carrega sua majestade no estômago, esqueceram-se que não basta dar serventia à matilha clientelar e acomodá-la na granja municipal ou pôr o pessoal adepto e serventuário a circular entre as sinecuras e os despojos do município para garantir a aprovação do que propõem ou defendem. Esqueceram-se em particular que as posições ou propostas que defendem devem ser fundamentadas por exercício de juízo e escrutinadas no âmbito de debate público, valendo em função da resistência dos argumentos aduzidos. Como o uso excessivo da linguagem de guindaste tende a produzir um efeito de auto-ilusão, esqueceram-se que não é com retórica balofa e argumentação insensata ou frouxa que se consegue persuadir quem quer que seja. Daí que não espante que, quando a exigência revelada pelo pessoal das oposições é maior, escorando a posição respectiva em argumentos sensatos e fortes, a sustentação de propostas defendidas pelo pessoal eleito pelo ps para a câmara municipal revele-se não apenas débil mas também pungente. O facto de duas propostas não terem colhido apoio político suficiente no final da sessão assembleia municipal é em grande medida consequência disso.
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O ponto 2.19 da ordem de trabalhos respeitava à proposta de alteração do estatuto da srufátima pretendida pelo pessoal eleito pelo ps para a câmara municipal. Tal proposta não foi aprovada e ainda bem que não foi. De acordo com a exposição de argumentos apresentada por José Poças das Neves em nome da bancada do psd, a proposta era uma aberração e não pequena. Aparentemente a alteração proposta pretendia apenas alargar a área de intervenção da srufátima, estendendo-a ao território integral da freguesia de fátima, mantendo-se o objecto de tal empresa municipal e as missões que lhe foram entregues. Porém, analisando de modo mais detalhado o articulado do estatuto submetido à assembleia municipal, percebe-se que a proposta rejeitada pretendia um alcance maior. Tratava-se não só de uma operação de descaracterização da srufátima enquanto entidade criada e vocacionada para operações de reabilitação urbana, operações circunscritas no motivo, no objecto e no tempo, mas de uma manobra casada com a tendência de desconsiderar a freguesia de fátima como entidade parceira do município, tendência que tem vindo a pautar de modo acentuado a acção da maioria actual no executivo camarário. E aí está em todo o esplendor um dos efeitos perversos da criação do pelouro fátima e do modo como o mesmo foi e continua a ser assumido: o desperdício, por sectarismo e oportunismo políticos, do acumulado de cooperação entre o município e a freguesia de fátima, baseado na coordenação e concertação de esforços e recursos de tais autarquias locais, e que, como é reconhecido, no passado recente permitiu servir melhor os fatimenses. Até quando é que o pessoal eleito pelo ps para a câmara municipal continuará a entender que há incompatibilidade entre a srufátima e a freguesia de fátima?
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Quanto ao ponto 2.20, referente à proposta de alienação do edifício dos monfortinos, este também não foi aprovado e, pelos motivos expostos aqui e aqui, também ainda bem que não foi aprovado. Apesar de todo o parlapié, o pessoal eleito pelo ps para a câmara municipal nunca conseguiu iludir ou disfarçar a irracionalidade económica da proposta. Mas em relação a este caso justifica-se um breve excurso sobre o que sucedeu. Feita a votação desta proposta verificou-se um empate, dezasseis votos contra, dezasseis votos a favor e sete abstenções. Perante isto foram suscitadas dúvidas sobre o modo como funcionava o voto de qualidade da presidente da assembleia municipal, assente no n.º 3 do artigo 48.º do regimento desse órgão. A doutrina administrativa esclarece de modo inequívoco o assunto. Note-se, "a forma mais usual que a lei utiliza para resolver o impasse criado por uma votação empatada consiste na atribuição ao presidente do órgão colegial do direito de fazer um «voto de desempate» ou um «voto de qualidade». Em ambos os casos, é o presidente quem decide do sentido da votação: no primeiro, procede-se à votação sem que o presidente vote e, se houver empate, o presidente vota desempatando; no segundo, o presidente participa como os outros membros na votação geral e, havendo empate, considera-se automaticamente desempatada a votação de acordo com o sentido em que o presidente tiver votado" (Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, Edições Almedina, 1994 (1986), 2.ª edição, p. 598). Se a doutrina administrativa elucida sobre o efeito e a consequência do voto de qualidade, certo é que na circunstância houve dúvidas. Pelo que o adiantado da hora e a saturação, por um lado, e o voluntarismo da presidente da assembleia municipal correspondido pelos membros restantes desse órgão, por outro lado, levaram a que fosse realizada uma repetição da votação por escrutínio secreto. Desta outra votação resultou um resultado diverso do apurado na votação primeira, sendo a maioria dos votos recolhidos a favor da alienação do edifício dos monfortinos. Porém é a votação anterior que é válida, não havendo como a votação segunda possa sobrepor-se à primeira. Sendo que nessa, apesar do empate verificado, o facto de a presidente da assembleia municipal ter votado contra, por efeito automático do voto de qualidade que ela tem, resultou o chumbo da proposta. Vide isto.

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