operação «auditoria», viii.i

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(sobre como desconsiderar o que está assinalado é mais do que meio caminho andado para pôr o pé na poça)
O relatório sobre o balanço e a demonstração de resultados do município contém um conjunto de reservas em relação a várias dimensões relevantes do património e das finanças municipais. São sete os pontos em que os autores de tal relatório reconhecem que, por as entidades que contactaram não terem correspondido ao que lhes foi solicitado, não é possível assumir uma posição fundamentada e garantida. A primeira das reservas enunciadas resume de modo claro a situação: "não obtivemos até à data deste relatório respostas de determinadas entidades aos nossos pedidos de confirmação de saldos e outras informações (...). Consequentemente, não podemos concluir quanto a eventuais ajustamentos que poderiam ter sido identificados, caso tivéssemos obtido as respostas atrás referidas" (in demonstrações financeiras em 31 de outubro de 2009 acompanhadas do relatório de auditoria, p. 1). Após esta seguem mais seis tomadas de posição com sentido semelhante, cuja última frase começa com «não podemos concluir» ou «não dispomos de informação suficiente que nos permita quantificar». Basta ler e assimilar isto para perceber que o entusiasmo revelado pelo presidente da câmara municipal em relação ao resultado da auditoria não faz sentido. Quem redigiu o relatório mencionado percebeu e manifestou uma série de limites que condicionam não apenas a interpretação do resultado apurado mas também o uso que pode ser dado ao mesmo no plano político, seja enquanto instrumento de orientação da gestão municipal, seja enquanto base de informação e para esclarecimento dos oureenses. O que significa que se justificava um acolhimento crítico e ponderado do produto da auditoria já antes da apreciação dos relatórios ser feita e assente pelo chefe da divisão de gestão financeira do município. Pelo menos antes de quem quer que seja - portanto o presidente da câmara municipal também - começar para aí a derramar certezas e sentenças sobre a situação financeira do município no final de outubro de 2009.
(da arte de tentar iludir até dar sempre cinquenta e cinco milhões ou mais)
Sem realizar uma apreciação acautelada e circunstanciada dos relatórios da auditoria - se a fez não se notou o efeito -, o presidente da câmara municipal nas diversas declarações que fez fixou-se estritamente no «deve» do município e marimbou-se para o resto, o «a haver», como se fosse possível expurgar esta parte da equação. A propósito, para ilustração, palavras pronunciadas pelo próprio na sessão da câmara municipal em que os relatórios da auditoria foram apresentados publicamente: "o que importa é fechar este capítulo, sabendo que temos um conjunto de dívidas" (in notícias de ourém, n.º 3780, 18.junho.2010, p. 10). Retomando a ponta da meada, da manobra e da fixação do presidente da câmara municipal resultou o anúncio de um valor, 55 milhões de euros, que marcou o início do verão do ano passado (vide, por exemplo, noticías de ourém, n.º 3782, 02.julho.2010, p. 7). Valor que foi sendo repetido obsessivamente ao longo do tempo. Palavras do presidente da câmara municipal: "a auditoria foi apresentada em pormenor à câmara municipal e à assembleia municipal como todos sabem. E o resultado é muito simples: herdámos dos nossos antecessores um conjunto de compromissos financeiros superiores a 55 milhões de euros" (in notícias de ourém, n.º 3797, 29.outubro.2010, p. 9). Mais palavras dele: "foi feita uma auditoria às contas do município que aponta para 55 milhões de euros em compromissos que terão de ser assumidos, mas ainda hoje chegam facturas respeitantes a um passado de muita irresponsabilidade. Como temos denunciado, trata-se em alguns casos de despesa sem cabimentação ou sem aprovação formal em reunião de câmara [municipal]" (in notícias de ourém, n.º 3798, 5.novembro.2010, p. 6).
(entretanto um quadro)
dívidas a terceiros e compromissos (2009-10-31).jpg
(continuando)
O demónio é que, seis meses depois de o presidente da câmara municipal ter começado a debitar maravilhas sobre os relatórios da auditoria, ter-se fixado nos 55 milhões de euros ou mais e ter chegado seguramente uma caterva de facturas por pagar vindas do passado, o chefe da divisão de gestão financeira do município não apenas desacreditou tais relatórios como apresentou números que, não há como albardar à vontade de mosqueteiro, ficam significativamente aquém daquele valor. Como não é de deixar vencer-se pela evidência, o pessoal do ps na câmara municipal, mormente o presidente desse órgão, não desarmou. E o que até então reportava «conjunto de dívidas» ou «conjunto de compromissos» do município passou a comportar também elementos fantasmagóricos neste tipo de apuramento e cálculo - isto é, «dívidas» que não são dívida e «compromissos» que não são compromisso -, por conta de indemnizações eventuais e incertas, a serem decretadas por tribunal ou aceites em negociação. Ou seja, enquanto durante seis meses o problema enunciado e anunciado foi as facturas que chegavam atrasadas do passado, em dezembro último, subitamente e sem aviso prévio, o problema passou a ser as contas incertas - com "um significado [estimado] de muitos milhões de euros de compromissos para a câmara [municipal]" (in notícias de ourém, n.º 3804, 17.dezembro.2010, p. 8) - que talvez hão-de vir do futuro, sabe-se lá se, sabe-se lá quando. Como não custa perceber - a harmonia social do município oblige em todas as ocasiões e circunstâncias -, era importante, quiçá vital, seguramente imperativo moral, não consentir que o 55 fosse despromovido a menos do que isso, porque, por um motivo qualquer - da cabala até à fé, sem negligenciar o holismo astrológico -, alguém o decretou e assentou como certo e quase como o d. Nuno Álvares Pereira, inconstestável. A tal ponto de nas vésperas do natal último, praticamente um ano depois de ter sido contratada a realização da auditoria externa ao município, chegar-se a isto: "o presidente [do executivo municipal] reiter[a] o que tem dito: a câmara municipal de ourém, na transição do anterior para o actual mandato, possui[a] compromissos superiores a 55 milhões de euros, podendo mesmo chegar aos 60 milhões de euros, divergência que deriva da forma como correrem os processos de indemnização em curso e que são conhecidos" (in ibidem).
(a seguir)
Segue que a hermenêutica tem que ser usada para decifrar a realidade construída com linguagem de guindaste.

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