operação «auditoria», vi.i

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(back to basics)
Porque no plano municipal subsiste o culto e a prática da opacidade, importa assentar entretanto alguns elementos básicos. Claro - a palavra claro, lucífera, não é usada aqui de modo fortuito -, claro que, desde que chegou o 25 de abril a ourém, em outubro de 2009, em linguagem de guindaste conseguem fazer vigorar para aí um regime de transparência que, tanta, até deslumbra. Por exemplo, na sessão da assembleia municipal realizada em dezembro último, António Gameiro entendeu ser necessário afirmar isso e isso afirmou com a sinceridade que lhe é reconhecida, que o pessoal do ps na câmara municipal não recorre a manobras de diafragma que ocultam ou impedem o acesso a documentação e informação públicas. O diabo é que, para ser verdadeira, a afirmação do líder do grupo municipal do ps não pode ser contrária aos factos. É assim que funciona a lógica. E, ainda o diabo, os factos são o que são, não são o que quem quer que seja pretende ou afirma que são, mesmo que afirme em pose de pinguim imperial. Seja como for, não é negada defesa a António Gameiro. Ele pode alegar que estava a fazer poesia. Para ilustrar, embora um fruto não seja uma flor, nada impede alguém de chamar rosa a uma laranja, até numa intervenção na assembleia municipal. Tal como ele pode alegar que não lhe esconderam ou negaram os relatórios da auditoria. O senão é que, do mesmo modo que um pinguim não faz o inverno - porque pinguins há muitos -, António Gameiro não faz a transparência. O que ele fez na ocasião foi figura triste, ainda que de modo bonito, sem ser a berrar. Adiante.
(sobre o direito de acesso aos relatórios da auditoria)
Para ser dado cumprimento ao princípio da administração aberta e transparente - em situação democrática, como a administração pública é pública não há como não assegurar a publicidade dos actos e dos documentos administrativos -, os cidadãos têm o direito de aceder aos materiais com conteúdo informativo não classificado ou sob reserva produzidos ou detidos por qualquer entidade pública (vide n.º 2 do artigo 268.º da constituição da república portuguesa). Como é possível depreender, este direito não compreende apenas a hipótese de consultar tais materiais, compreende também a hipótese de ser informado sobre a existência e o conteúdo dos mesmos e a hipótese de obter cópia deles (vide artigo 5.º e n.º 1 do artigo 11.º da lei que regula o acesso aos documentos administrativos). Ora, porque os relatórios da auditoria realizada pela deloitte são documentos administrativos - a definição expressa na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º da lei de regulação do acesso aos documentos da administração pública em vigor anteriormente permite perceber isso sem equívoco - e haviam sido apresentados aos órgãos colegiais do município e, por isso, objecto de notícia por parte da imprensa local e regional (vide, por exemplo, notícias de ourém, n.º 3780, 18.junho.2010, p. 10), além de serem reportados vezes bastantes em comunicado e declarações públicas do presidente da câmara municipal, exercendo um direito de que também sou titular, requeri, primeiro oralmente, depois por escrito, cópia integral dos tais relatórios.
(sobre a organização e o funcionamento dos serviços das autarquias locais e o prazo de resposta a um requerimento de acesso a documentos administrativos)
Princípios e enunciados que devem estar sedimentados em alguns cérebros e não estão. Primeiro: "os serviços e organismos da administração pública estão ao serviço do cidadão e devem orientar a sua acção de acordo com os princípios da qualidade, da protecção da confiança, da comunicação eficaz e transparente, da simplicidade, da responsabilidade e da gestão participativa" (in artigo 2.º do decreto-lei que estabelece os princípios gerais de acção da administração pública no contexto da modernização administrativa). Saliente-se a parte «ao serviço do cidadão» porque, apesar de elementar, parece difícil de assimilar pelo pessoal do ps na câmara municipal. Segundo: "a organização, a estrutura e o funcionamento dos serviços da administração autárquica devem orientar-se pelos princípios da unidade e eficácia da acção, da aproximação dos serviços aos cidadãos, da desburocratização, da racionalização de meios e da eficiência na afectação de recursos públicos, da melhoria quantitativa e qualitativa do serviço prestado e da garantia de participação dos cidadãos, bem como pelos demais princípios constitucionais aplicáveis à actividade administrativa" (in artigo 3.º do regime da organização dos serviços das autarquias locais). O que, por outras palavras, corresponde genericamente ao enunciado anterior, embora neste caso a prosa seja focada nas autarquias locais. Note-se ainda que foi ao abrigo deste regime que o pessoal do ps na câmara municipal propôs e logrou aprovar o novo quadro organizacional de funções e serviços do município. (Na frase anterior devia constar algures a palavra supostamente, não consta, fica o aviso à navegação.) Terceiro: "todos os serviços adoptarão, nos termos legais aplicáveis, mecanismos de delegação e subdelegação de competências que propiciem respostas céleres às solicitações dos utentes e proporcionem um pronto cumprimento das obrigações e uma gestão mais célere e desburocratizada" (in artigo 27.º do decreto-lei que estabelece os princípios gerais de acção da administração pública no contexto da modernização administrativa). Destaquem-se as partes «todos os serviços» e «propiciem respostas céleres às solicitações dos utentes», em particular esta última, outra que parece não encaixar muito bem na cabeça do pessoal do ps na câmara municipal. Será derivado do facto da forma? Será derivado do facto do modo? Será derivado do facto de quem? Não se sabe. Quarto: "sempre que a natureza do serviço solicitado pelo cidadão o permita, a sua prestação deve ser efectuada no momento" (in artigo 8.º do mesmo decreto-lei). Este enunciado é fascinante, porque define como dever do exercício administrativo a economia de tempo desse quase nada que é o cidadão. Em tradução, o que pode ser feito agora não deve ser feito logo. O que pode ser feito hoje não deve ser feito amanhã. O que pode ser feito a semana presente não deve ser feito na semana seguinte. E o que pode e deve ser feito em dez dias - como dar resposta a um requerimento de acesso a documentos administrativos, tipo relatórios de uma auditoria (vide n.º 1 do artigo 14.º da lei que regula o acesso aos documentos administrativos) - não deve ser feito em onze, doze, treze dias ou quando apetecer à vereadora eleita pelo ps. Perante isto, após a reorganização do quadro de funções e serviços do município promovida o ano passado, constata-se que um requerimento simples carece de despacho de alguém da vereação e, pior, merece resposta apenas depois do prazo definido para a mesma, sendo que a demora de tal resposta não foi maior porque - a interpretação é da minha responsabilidade - o autor do requerimento foi insistente e persistente. Ora é isto que é servir os oureenses? É, embora na retórica de guindaste adoptada pelo pessoal do ps na câmara municipal o resultado seja seguramente muito diferente, tudo muito melhor, mais eficaz e eficiente, mais amigo do ambiente, do cidadão e aí por diante, mais asseado, perfumado e tal.
(a seguir)
Seguem-se mais algumas minudências sobre o caso.

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