uma no cravo, duas na ferradura

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Estou grato pelo reconhecimento manifestado por Sérgio Ribeiro em relação ao trabalho desenvolvido no âmbito do painel cuja coordenação me foi entregue, o painel «Ourém social». Entendo eu, foi, de facto, um trabalho meritório - não o meu, que quase nenhum trabalho foi* -, sobretudo o das três pessoas que apresentaram comunicações, a Ana Alves Monteiro, o João Filipe Oliveira e o Paulo Reis. Havia muita informação a considerar e a analisar, tendo presente os objectivos propostos para o congresso e as condições em que foi possível fazer o que foi feito. Não foi pouco. Uma palavra de apreço também pelo modo como Maria Fernanda Bento desempenhou a missão que, em desafio, lhe foi confiada. No sábado foi moderadora do painel mas, na verdade, antes foi mais do que isso e, com esforço maior do que o dos outros - por, em ida e volta, ter de deslocar-se quilómetros bastantes, mais de centena e meia -, participou nas reuniões de trabalho que aconteceram antes. No momento de encerramento do painel, quando ela sintetizou o que resultou do conjunto das comunicações e do debate, a imagem de um município assimétrico - norte pobre, sul rico -, com problemas e desafios no plano social a que é necessário corresponder, fiquei com a sensação de missão cumprida e bem cumprida por parte de quem apresentou as comunicações e de quem moderou o painel. Aproveito esta oportunidade para, por outro meio e exposto, repetir e reiterar o agradecimento e o louvor à Ana, ao João, à Maria Fernanda e ao Paulo, pelos esforço e trabalho que, no âmbito de preparação do congresso e no congresso, dedicaram a Ourém.
Posto isto, duas notas de desacordo.
Primeira nota. Ao contrário de Sérgio Ribeiro, não entendo que da exposição a que ele faz alusão - e que lhe criou engulhos - tenha resultado a sugestão e menos ainda a conclusão de que a concepção de estado apresentada é «a única» e é «inevitável». Tão pouco entendo que tenha sido exposta como sentença, «é assim e pronto». Pelo contrário, a primeira parte de tal comunicação foi um exercício sobretudo descritivo, que pretendeu sumariar as transformações do estado e dos paradigmas dominantes de políticas públicas, relacionando-as com o modo como, no plano local, ao longo do tempo - e de um tempo longo, desde 1837 -, foram encarados os problemas sociais e que respostas lhes foram sendo dadas. Como é óbvio, a descrição feita não é neutra, porque não há descrições neutras. Mas em momento algum foi negada a existência de concepções de estado diferentes. Ao invés, ficou claro haver formas de materialização e concretização do estado diversas ou variáveis, tendo tais formas sido reportadas ao contexto e ao processo histórico português, sendo informado que tais formas consubstanciavam também opções programáticas ou ideológicas distintas, mais salientes ou predominantes num período do que noutros.
Segunda nota. Ao contrário de Sérgio Ribeiro, não entendo que, por causa das condições e circunstâncias sociais, as pessoas cheguem ao ponto de não serem capazes de pensar criticamente ou serem irresponsáveis pelo que afirmam publicamente. Os roteiros cognitivos e morais através dos quais cada um de nós orienta os seus comportamentos e as suas relações com as coisas e os outros têm fundamento social. Há mundividências contrastadas, que levam a atitudes e posições diferentes. Há «regimes de verdade», há «gramáticas de produção de sentido», há «aparelhos ideológicos de estado», há «poder simbólico», há «luta de classes» e mais não sei o quê. Mas há também capacidade crítica e de reflexão, não no sentido do solipsismo cartesiano, no sentido das prática e vivência sociais e do desassossego que suscitam. No caso em apreço, algo que parece indiciar isto é justamente a proposta de «exploração» da «responsabilidade social das empresas» na resposta aos problemas sociais em Ourém. Que, parece-me, foi feita não por capitulação ideológica ou porque quem a apresentou tenha sido «vítima» de «imposição ideológica». Aliás, em nenhuma comunicação do painel «Ourém social» foi exposta ou sobressaiu uma concepção de estado reservado a «funções mínimas e supletivas». E numa delas - a tal que criou engulhos a Sérgio Ribeiro -, sem que por força de um processo de inculcação a pessoa fosse irresponsavelmente - porque «sem culpa» - transmissora de uma concepção de estado neutra, o que foi defendido foi uma prática de envolvimento e de concertação entre agentes públicos e privados, em termos tais que o estado - neste caso através do município - fosse também um agente motivador e estimulador de acções de responsabilidade social. Não por haver proposta ou defesa de recuo do estado na acção social e das políticas de solidariedade social, mas justamente por haver a percepção de que, nas condições e circunstâncias actuais, há vias que talvez permitam respostas mais eficazes e eficientes aos problemas sociais no plano local, sem subtrair o estado da equação, mas acrescentando-lhe responsabilidade para induzir responsabilização sobre outras entidades.
__________
* a tarefa que exigiu esforço maior da minha parte foi apresentar o desafio aos oradores e à moderadora - o que, como se percebe, não é missão hercúlea -, tarefa facilitada extremamente por cada uma das quatro pessoas abordadas ter correspondido imediatamente ao desafio, assumindo-o.

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