operação «rapa, põe, mete e tira»

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Este post foi escrito sob informação parcial, pelo que foi curto no alcance. Agora, exposta publicamente mais informação - nomeadamente a acta da câmara municipal de 10.novembro.2009 -, esteoutro post complementa aquele no que é mais significativo.

Em termos políticos e de juízo comum não se percebe lá muito bem o motivo por que a maioria socialista na câmara municipal propôs e defendeu em simultâneo a redução diferenciada da derrama e o aumento do imi em relação aos prédios urbanos com avaliação actualizada (vide acta da câmara municipal de 10.novembro.2009, pp. 13-21). Na prática, trata-se uma operação de dar com uma mão e tirar com a outra, sendo que, no saldo final, o que é tirado é mais do que o que é dado, tipo «tomem lá 5, dêem cá 21» (1).

Esmiuçando o caso, comece-se por notar que as condições de contexto subjacentes à decisão sobre a derrama e o imi são iguais. Há crise na economia local - à semelhança do que sucede noutras escalas - e há crise nas finanças municipais. Neste sentido, qualquer aumento de impostos locais e derrama constitui uma penalização para os oureenses, embora, por via do aumento das receitas que proporciona ao município, tenda a contribuir para solucionar o problema das finanças dele. Complementarmente, qualquer diminuição de tais tributações constitui um alívio para os oureenses, embora, por via da redução das receitas municipais provável, não se esteja a contribuir para resolver a desgraça financeira do município. Isto em tese. Analisando o caso com detalhe maior e projectando os impactos combinados das decisões tomadas a propósito da derrama e do imposto referido, é possível perceber alguns contornos menos evidentes.

Antes de mais, embora seja um problema de liquidez, o problema das finanças municipais não se resolve apenas por via do aumento da receita. Também é possível abordar o assunto por via da diminuição da despesa, nomeadamente da despesa corrente - para não prejudicar a capacidade de investimento -, fazendo um esforço no sentido de melhorar a eficiência do município. O que significa que, pela dimensão estimada, o aumento de receita por via do imi podia ser substituído por uma redução de aproximadamente 1% da despesa corrente (2). Seria possível e, apesar do constrangimento existente, não haveria de ser um esforço titânico. Com a vantagem de, no plano político, esta alternativa ser um sinal de que, na conjuntura de crise económica acentuada actual, o município pretende resolver o problema das finanças municipais sem onerar ainda mais os oureenses e as empresas locais.

Do mesmo modo e ainda pela mesma dimensão estimada, a redução das taxas de derrama podia ser dispensada, por ter um efeito positivo tão escasso sobre as empresas locais. Para se ter uma noção, em média e em relação ao apurado em 2008, as empresas com um volume de negócio superior a 150.000 € pagarão menos 49 €, enquanto as empresas com um volume de facturação igual ou inferior a 150.000 € pagarão menos 4,4 € (3). Em face disto, percebe-se facilmente que era preferível ter sido seguida outra via, não diminuir a derrama e não explorar com demagogia e consequente estrépito mediático a decisão tomada. Quanto mais não seja porque o valor da decisão é sobretudo simbólico e político, não é económico.

Convém ainda ter presente que o «estímulo» da diminuição da derrama incide sobre as empresas que geraram lucro tributável. Daí que o que houver a pagar por conta desse tributo depende do rendimento obtido durante o ano (4). Se o resultado positivo das empresas diminuir, estas pagarão menos. Se não tiverem lucro tributável, não pagarão. Ao contrário, o imi incide sobre o valor da propriedade e, portanto, é independente do rendimento obtido. O que significa que, na conjuntura actual e em termos relativos, o aumento do imi tenderá a afectar mais as pessoas e as empresas com dificuldades maiores. O que remete para o cenário tão provável quão caricato e perverso em que, porque proprietárias das instalações respectivas, empresas são mais prejudicadas pelo aumento do imi do que beneficiadas pela redução da derrama. Do que resulta que, com a jingajoga fiscal que, de acordo com um vereador do ps, pretendeu utilizar uma lógica de complemento entre derrama e imi, o incentivo às empresas que foi anunciado, menos do que frouxo, pode muito bem ser o contrário de incentivo.

Uma observação mais. Na sequência da viragem política causada pelos resultados eleitorais, a diminuição da derrama é a confirmação oportuna do que há muito vinha a ser defendido pelo ps. Mas o aumento do imi é o quê? É que o ano passado o ps defendeu também a sua redução (vide acta da câmara municipal de 15.setembro.2008, p. 5 e acta da assembleia municipal de 26.setembro.2008, p. 41). Além do partido político que detém a maioria na câmara municipal, o que mudou desde então? A crise económica já existia e continua a existir - agravada num conjunto de parâmetros - e a situação das finanças municipais já era desgraçada.

Resumindo e concluindo, através do município, o ps decidiu aumentar a carga fiscal sobre os oureenses e as empresas locais. Dadas as circunstâncias, não espanta. Foi privilegiada a via do aumento das receitas municipais, não obstante a crise económica que existe também em Ourém. Mas havia alternativa menos onerosa para os oureenses e as empresas locais, a contracção da despesa corrente. Se à suspensão da publicação da revista municipal fosse associada a não redução da derrama - iniciativas que, por junto, valem mais ou menos 100.000 € -, bastava 0,5%. É verdade que a falta de liquidez financeira do município decorre sobretudo de dívida excessiva. Mas seguramente que há-de ser possível cortar gastos ordinários, poupar. Para além disto, note-se, o ps tentou disfarçar a operação. Foi dada publicidade farta à diminuição das taxas de derrama, medida simbólica, enquanto que sobre o desencontro entre essa medida e o aumento do imi nada foi referido, excepto haver a necessidade de equilibrar as finanças municipais (5). Apesar de o psd ter sido derrotado na eleição para a câmara municipal, a inclinação e o jeito para tentar iludir os oureenses parece não ter desaparecido desse órgão. É capaz de não ser sinal bom. Sinal de mudança não é de certeza.
__________
(1) Segundo estimativa dos serviços municipais - calculada em regime ceteris paribus, portanto com base na realidade de 2008 -, em 2010, o montante que o município tenderá a arrecadar a mais por via do imi (216.390 €) corresponde a mais do quádruplo do que tenderá a perder com a redução da derrama (49.820 €) (vide acta da câmara municipal de 10.novembro.2009, pp. 15 e 20).

(2) Considerando que no último exercício completo - 2008 -, a despesa corrente cifrou-se em 20,35 milhões €, 1% corresponderia a 203.500 €, valor próximo de 216.390 €, que é o esperado com o aumento do imi.

(3) Este exercício serve apenas para referenciar grandezas, não tem o propósito de reportar a realidade. Desde logo porque é conjectural. Mas também porque a dimensão do lucro tributável obtido pelas empresas é diferente, significando isto que algumas empresas pagam mais derrama do que outras. E ainda porque, como é plausível, em 2009 as empresas não hão-de todas gerar lucro tributável em sede de irc, no sentido em que, considerando o histórico e o momento de crise económica, apenas uma parte delas apresentará resultado positivo no final do exercício. Mesmo assim, dado os valores referidos serem tão pequenos, tal facto não diminui ou desqualifica o argumento. A título de exemplo, admitindo que apenas um quinto das empresas com volume de facturação igual ou inferior a 150.000 € terá lucro tributável em sede de irc, tal significa que a redução da taxa de derrama de 1,5 para 1,25%, em média, para cada empresa, equivale a 22 €.

(4) É curioso notar que a informação que suportou a tomada de decisão é sensível à dimensão diferente das empresas mas não é sensível à situação diversa das mesmas. Por outras palavras, embora seja recomendada uma atenção maior às empresas com um volume de negócios mais baixo - o que teve expressão na decisão tomada -, não é feita qualquer alusão ao facto de o efeito da diminuição da derrama não incidir sobre as empresas que não apresentam lucros tributáveis, provavelmente as mais carenciadas de cuidado e estímulo municipais.

(5) Atentando a declarações de José Manuel Alho (vide acta da câmara municipal de 10.novembro.2009, p. 21), a operação foi orientada por uma intenção de «equilíbrio» e apostou no carácter «complementar» das propostas de política fiscal, redução da derrama, aumento do imi. Quanto à intenção de equilíbrio, em face tanto da dimensão residual das verbas e da desproporção dos valores em causa para a derrama e o imposto, é manifesto que, o que quer que signifique equilíbrio no caso, o equilíbrio não se concretiza. Quanto à complementaridade das propostas talvez seja mais adequado chamar-lhe contradição.

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