Milagres e maus da fita

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Milagre do Sol numa sala perto de si, no Cinecartaz, por António Marujo (PÚBLICO):

Realizadores de O 13.º Dia dizem que a mensagem é universal, fala de paz e esperança e não é só para católicos.

Há 92 anos, a dança do Sol causou medos, terrores. Anteontem à noite, provocou aplausos.

O Sol começa a rodar, a rodar. Há espanto na cara de algumas pessoas, lágrimas em outras. Também quem admita que, afinal, errara ao ridicularizar a possibilidade do milagre. O Sol aproxima-se, cai quase até à Terra. Vertigem, uma dança louca. Susto e medo nos rostos.

Víramos já outro medo, outras lágrimas, outra dança. Quando Lúcia e os primos, Francisco e Jacinta, estavam presos para evitar que a aparição da Virgem se repetisse, a 13 de Agosto de 1917. Um dos detidos toca uma concertina, outro convida Jacinta para dançar em plena cela. A pequena Jacinta, sete anos, dança. Mas chora e confessa o medo: o administrador local ameaçara-os de morte - ela, o irmão e Lúcia - se continuassem a contar histórias de aparições.

O 13.º Dia. O filme, dos irmãos Ian e Dominic Higgins, teve estreia mundial anteontem à noite, em Fátima, perante mil espectadores (está já à venda em DVD e irá para as salas no próximo ano). Exactamente 92 anos depois de cerca de 70 mil pessoas terem assistido, na Cova da Iria, ao fenómeno conhecido como Milagre do Sol: após uma forte chuvada, o sol secou a terra num breve instante, começou a rodar e a cair. De repente, tudo parou.

Desde Maio, os três miúdos contavam que tinham uma aparição, a 13 de cada mês. Desde o início, estavam convictos de que se tratava da mãe de Jesus.

O 13.º Dia segue a narrativa oficial, a partir das Memórias da Irmã Lúcia. Conta a história das seis aparições, da prisão das crianças a 13 de Agosto, da visão do Inferno, da previsão da II Guerra Mundial e do Milagre do Sol.

Consequência da opção: os realizadores britânicos ignoram diferenças de pormenor na história que Lúcia foi contando à medida que os anos avançavam ou leituras historiográficas posteriores. Por exemplo, a referência ao comunismo e aos seus "erros" só aparece na década de 1930, quando Lúcia está em Pontevedra (Espanha), num convento - onde se situa o início do filme, com a religiosa a escrever as memórias.

Os maus da fita? O administrador de Ourém e o poder republicano, que ameaçam as crianças e com os quais elas são forçadas a confrontar-se. Os miúdos afirmam que preferem morrer a dizer que não há sobrenatural na sua história.

"Grande sensibilidade"

Aqui também, apesar das dúvidas sobre as verdadeiras razões da prisão, os realizadores atêm-se apenas à narrativa de Lúcia. "Toda a gente tem um lado bom e um lado mau, o filme é mais sobre a coragem de três crianças e sobre a coragem que nós devemos ter também", diz ao P2 o realizador Dominic Higgins - a equipa esteve toda em Fátima para a estreia.

Realizado a preto e branco, com um belíssimo tratamento fotográfico e um intenso jogo de sombras e luzes, O 13.º Dia utiliza a cor apenas nas cenas das aparições e da dança do Sol. "A cor é como algo de precioso", dizem os dois irmãos.

A maior tensão dramática está na prisão, nos momentos que antecedem o Milagre do Sol e nas discussões de Lúcia com a mãe, incrédula até 13 de Outubro - quando decide apoiar a filha na ida à Cova da Iria para o prometido milagre. Jane Lesley, actriz britânica de 35 anos, dá uma interpretação forte à mãe de Lúcia. "É uma personagem fabulosa, intensa." Quando Lúcia é confrontada pelos pais pela primeira vez, a mãe quer que ela acabe com "invenções". "Em casa está tudo muito tenso, ainda por cima filmámos com muito frio, a cena ficou muito intensa", diz Jane Lesley.

A outra personagem forte é a de Lúcia, vestida pela portuguesa Filipa Fernandes, de 18 anos, estudante de Psicologia (também os primos são interpretados por portugueses). Filipa diz que este será o "primeiro e único" papel num filme. Vê-se a acreditar que o Milagre do Sol é "qualquer coisa que realmente aconteceu", embora se defina como "espiritual" e não católica.

O 13.º Dia foi inicialmente pensado como curta-metragem. E toda a equipa insiste: "A mensagem do filme é universal, fala de paz e esperança, não é só para católicos", afirma Ian Higgins.

Os responsáveis do santuário viram e gostaram. "É um filme intenso que mostra grande sensibilidade", diz uma nota enviada à produção.

Mesmo se a estreia foi a jogar em casa, quem viu o filme gostou: "Tem uma imagem e uma caracterização diferentes", diz Luís Ferreira, de 36 anos, corroborado pela mulher, Elisabete, de 34. "A minha avó contava esta história", diz ela. Adelaide Silva, das Irmãs do Amor de Deus, ficou emocionada com o sofrimento das crianças e gostou do modo como foi tratada a dúvida do pároco local. Paula Coelho, de 26, ficou "surpreendida" com o produto final: a luz, a música, a "mensagem forte até para não crentes". E gostou de ver o Milagre do Sol: "Quem não gostaria de lá ter estado?"

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