Casos de uma barraca amarelo Simpson, i

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Com evidência documentada, o caso referido começou no dia 27 de Julho de 2007, data em que a Verourém – Empresa Municipal de Comunicação, remeteu à câmara municipal a lista das entidades que (à data aludida) lhe eram devedoras. Na sequência, a 17 de Setembro do mesmo ano, após apreciação do elenco de dívidas mencionado, o executivo municipal, por unanimidade – neste contexto, unanimidade é uma palavra bonita –, incumbiu a divisão de educação, desporto e cultura de incluir no regulamento do programa de atribuição de subsídios às associações uma cláusula no sentido de suspender tal atribuição caso existam dívidas ao município ou às empresas municipais com uma antiguidade superior a noventa dias (vide acta n.º 38/2007 da câmara municipal, p. 24).
Posto isto, convém começar a descascar o caso, de modo a que não fique oculto o seu esplendor. Para começar, subsiste a dúvida sobre o motivo que levou a empresa municipal em causa a enviar a dita lista à câmara municipal. Foi a Verourém, tipo «ó mãe, acode», que procurou o regaço tutelar do município? Ou foi a câmara municipal (ou alguém com assento aí) que solicitou a listagem de devedores à Verourém? Qualquer que tenha sido o motivo, é evidente que a câmara municipal decidiu meter o bedelho na relação entre as empresas municipais e terceiros, arvorando-se numa espécie de cobrador. À partida, parece não haver problema, no sentido em que os sete magníficos, o presidente da câmara municipal e todos os vereadores, pretendiam pôr cobro a uma situação que David Catarino reputou como “insustentável e lesiva do bom funcionamento” do município e das empresas municipais (vide O Mirante, n.º 793, 18.Outubro.2007, p. 7). Ui. David Catarino até argumenta, para que não subsistam dúvidas, “as empresas municipais também têm de pagar a sua gestão corrente, as contas de electricidade, da água e os vencimentos dos seus funcionários. Se não recebem de quem lhe deve como o podem fazer?” Ó. Temos raciocínio. Assim como temos um mistério que não parece incomodar excessivamente David Catarino quando as empresas não são as empresas municipais, mas aquelas outras que prestaram serviços ao município ou que o forneceram e cujas facturas já venceram há mais de noventa dias, mas relativamente às quais David Catarino ainda não deu ordem de pagamento. Não é necessário invocar Kant para perceber que, se alguém apregoa princípios aos quais não se submete ou esquiva, tal comportamento tem nomes vários, porém nenhum bonito. En passant, convém não esquecer também que a cobrança de dívidas faz parte do exercício de gestão corrente de qualquer empresa. Neste sentido, dado que as empresas municipais têm um conselho de administração, compete aos seus membros – porque foi também para essa diligência básica que foram nomeados e que auferem salário em conformidade – proceder à cobrança das referidas dívidas. Como qualquer empresa, as empresas municipais têm meios mais do que suficientes para assim proceder, sem estarem dependentes da intervenção tutelar do município. Acresce ainda que as empresas municipais têm personalidade jurídica distinta da do município, o que significa que a introdução da cláusula referida no regulamento do programa de atribuição de subsídios às associações locais é de validade jurídica duvidosa. Em abstracto, não se vislumbra a regra em que a câmara municipal se baseia para condicionar o acesso das associações aos subsídios que atribui, invocando as relações que essas mesmas associações têm com entidades terceiras, distintas do município, como é o caso das empresas municipais. Queira-se ou não, as empresas municipais não têm estatuto – ou sequer competência – para emitir certificados de não dívida com vista a desbloquear pagamentos da tesouraria do município.
(Amanhã estará disponível o fascículo terceiro sobre o caso, com o capítulo ii.)

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