Notas avulsas, ii

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Orlando Cavaco não concorda com o dispositivo das quotas nas listas de candidatura a órgãos políticos, como forma de garantir uma participação política mais equilibrada entre homens e mulheres (vide “Mulheres na política”, in Ourém e seu Concelho, n.º 819, 15.Maio.2006, p. 7). Acusa ele que tal forma “não é a mais correcta nem justa para garantir a presença de mulheres nos cargos políticos”. Até aqui, mesmo que não identifique formas que entenda mais correctas ou justas de conseguir tal objectivo – se é que, no seu entender, objectivo é ou merece ser –, tudo bem. Mas o artigo é pontuado por passagens que mais do que roçam a estupidez. Esta é uma delas: “qualquer mulher inteligente, por definição, entenderá que esta lei não é um privilégio mas um enorme insulto”. Não entendi por que é que «qualquer mulher inteligente, por definição, entenderá que»… assim como não entendi por que é que é «um enorme insulto». Limite meu, seguramente, seja na minha definição, seja no meu entendimento, seja, ó que grande chatice!, tanto numa quanto noutro.

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Eu não sei se é insulto ou não a questão das quotas. Acho que quem se deve pronunciar sobre este caso específico são as mulheres. No que me diz respeito, pessoalmente não gostaria de saber que fui aceite em determinado cargo, não pelo meu mérito, mas apenas porque existe uma lei que assim o diz. Por outro lado esta questão das quotas implica outras questões:

i) noutros sectores em que os homens são minoritários, vamos também criar uma lei da “igualdade”? Hoje em dia nas universidades as mulheres são em maioria. Vamos criar um “numerus clausus” para os homens?
ii) Será que esta lei das quotas não é inconstitucional uma vez que não defende a igualdade entre os sexos? Provavelmente uma Lei ou Decreto-Lei deste teor leva chumbo certo pelo Tribunal Constitucional.
iii) Imagine-se no limite a seguinte situação: independentemente de ser homem ou mulher o indivíduo A, brilhante, com uma carreira invejável, com provas dadas em diversos sectores de actividade, é sondado(a) para determinado cargo. Contudo quando se fazem as contas, chega-se à conclusão que existe um indivíduo do sexo oposto, pronto(a) a entrar pelos cálculos das quotas. É racional fazermos isto?

Talvez se deva analisar esta desproporção entre homem/mulher na política de outra forma. Talvez as mulheres não gostem/ não queiram/ não tenham habilidade para estar na política, da mesma forma que há sectores de actividade em que os homens não gostem/ não queiram/ não tenham habilidade para estar. Um exemplo: em cursos de engenharia os homens são maioritários, nos cursos de enfermagem e medicina são elas que dominam, etc, etc.... Aliás sobre o aumento crescente de mulheres na medicina veja-se aqui (http://jn.sapo.pt/2004/06/28/sociedade/protesto_contra_quotas_para_mulheres.html) o que elas fizeram sobre a possibilidade de criação de quotas para os homens....

não sou mulher e não tenho intenção de repetir o que já aqui aflorei sobre o assunto, que me interessa particularmente, tanto por motivos cívicos e políticos quanto por motivos profissionais. mas acrescento:

i) tal como definido na intenção legislativa, o dispositivo de quotas aplica-se estritamente ao campo político - um campo específico - e, portanto, não vislumbro o motivo por que há-de ser feita a transferência do caso para outros campos. por exemplo, o acesso a uma parte significativa dos cargos políticos é feito por via de eleições; isso quer dizer que o acesso a todas as funções deve ser por eleição? porque os membros da assembleia da república são eleitos, os médicos devem ser eleitos? porque os membros das autarquias locais são eleitos, os professores devem ser eleitos? porque os dirigentes partidários são eleitos, os taxistas devem ser eleitos? os fadistas devem ser eleitos? os astronautas devem ser eleitos? os engenheiros das plataformas petrolíferas do mar do norte devem ser eleitos? as cabeleireiras devem ser eleitas? parece-me conveniente não confundir a política com o resto e vice-versa.

ii) a coisa não é inconstitucional. desde 1997 que o texto da lei fundamental dá cobertura a iniciativas legislativas com tal sentido.

A proposta de aplicação de quotas obrigatórias para mulheres na política é inútil, ridícula, popularista e inconstitucional. Inútil porque o maior número de mulheres neste país levará, inevitavelmente a que elas ocupem o seu merecido lugar em qualquer sector da sociedade. Ridícula porque menoriza o mérito em favor do simples facto de se ser homem ou mulher. Popularista porque é um claro piscar de olhos aos seus votos. E por fim inconstitucional porque contraría claramente o art.º 13º da Constituição.

não concordo com o Miguel.

neste momento, em portugal, o dispositivo das quotas aplicado às listas de candidatura a órgãos políticos não me parece inútil. basta atentar na diminuta taxa de feminização da generalidade dos corpos políticos. para além disso, é mais do que evidente que o ritmo a que o espaço político tem reflectido as transformações pelas quais tem passado a condição feminina portuguesa é inferior ao ritmo a que essas mesmas transformações têm ocorrido. e subsiste um conjunto de factores que, na prática e pela prática, não garante a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no acesso a cargos políticos. há investigações várias que atestam isto com sobeja evidência empírica.

neste momento, em portugal, a aplicação de tal dispositivo também não me parece ridícula. ridícula parece-me a insistência na tese segundo a qual a selecção política é feita com base sobretudo ou exclusivamente no mérito das pessoas. a filtragem política do pessoal é um processo complexo e no seu âmbito muitos outros factores, para além da competência, são relevantes.

«popularista» não sei o que é. mas parece-me que, a ser alguma coisa, a citada medida, apesar de todos os limites - e de eu não ser seu adepto -, contribuirá nalguma proporção para tornar mais equitativas em termos de sexo as condições de acesso a cargos políticos. isto é, as quotas, por si, não resolvem o problema da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no acesso a cargos políticos. a maior parte do trabalho a fazer neste domínio é a montante das listas de candidatura submetidas a sufrágio. mas, à luz de experiências históricas documentadas - como as referentes aos diversos casos da escandinávia -, é plausível admitir que em portugal o dispositivo das quotas será um subsídio importante na produção de condições equitativas em termos de sexo no acesso ao espaço do poder político.

finalmente, a referida medida não é inconstitucional. ler o artigo da constituição da república portuguesa sobre a «participação política dos cidadãos», na redação que lhe foi conferida em 1997, permite perceber porquê. o livro democracia com mais cidadania: a questão da igualdade de participação política (lisboa, imprensa nacional - casa da moeda, 1998) explica pormenorizadamente porquê.

Também gostava de acrescentar duas coisas:
- A desigualdade entre homens e mulheres em determinados sectores deve-se mais a uma questão de mentalidades e não tanto à falta de leis, que a verem a luz do dia criarão uma regra cega.
- Por outro lado, a igualdade entre homens e mulheres deve aplicar-se a todas as situações, e não àquelas em que as mulheres estão em minoria. Se este tipo de leis vier a existir deverá aplicar-se para o bem e para o mal a todas as situações.

As mulheres são tão competentes quanto os homens. O sf disse que o problema está a montante. Eu também acho, mas o “montante” a que me refiro está nas mentalidades das pessoas. Se criarmos as mesmas condições para ambos os sexos (educação, formação, emancipação, cultura, etc) então será uma questão de tempo até atingirmos o equilíbrio.

Ué? Não aparece nenhuma senhora a dar a sua opinião?

Se calhar é melhor implementar um sistema de quotas para comentários femininos aqui n'O Castelo. :-)

bem visto! ;-)

Percebo o Sérgio mas concordo com o Pedro. É claro que a raíz do problema reside na educação e em hábitos e costumes que certamente mudarão. Não sou grande adepto da imposição de modos e costumes seja através de leis, doutrinas, programas escolares ou mesmo através dos media. A solução passa pela mudança de mentalidades que já está a acontecer, e não pelas mentalidades da mudança.
O artº 109º que o Sérgio menciona só reforça o preceituado do 13º, sendo apenas mais concreto. Mas como a lei deve ser genérica e abstracta... não sei não... parece que alguém se entreteu a legislar o legislado (algo que não seria inédito).
Com isto devo sublinhar que sou fã acérrimo da participação das mulheres na política, mas que o seja de uma forma naturalmente merecida.
Quanto à não participação de mulheres nesta discussão, até posso compreender; é sempre difícil opinar em causa própria.

sobre o caso, o presidente da república escreveu à assembleia da república. oportunamente - quando folgar, não sei quando - voltarei aqui.

Concordo com o veto. As justificações de Cavaco Silva revelam bom senso, para além de serem justamente válidas. Como primeiro veto, começou bem.

Se o PS quer 'acelerar' a mudança cultural e política deve dar o exemplo. Não tem que o impor a qualquer outra força partidária.

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