Entrevista a José Alho

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Muito interessante, diria mesmo, exemplar, a maneira como foi feita a entrevista a José Alho pela Ana Primitivo do Jornal Notícias de Fátima. Bom jornalismo com perguntas certas e inteligentes. No entanto, notei que a versão online está muito mal organizada, não se nota nem existe uma clara separação de perguntas com respostas, para além de estar dividida por vários textos em todo o site e que não ajuda à boa navegação nem para perceber ao que se vai. É por isso que decidi aqui incluir a entrevista neste blog para que possa ser lida na íntegra, acompanhada de uma melhor organização (as perguntas estão destacadas a bold):

Notícias de Fátima (NF) - Dizia no discurso da noite eleitoral que não dava os parabéns ao partido vencedor porque eles tinham feito batota. Essa afirmação pode ser considerada uma declaração de guerra?
José Alho (JA) - Essa crítica mantém-se. Agora temos de aceitar a vontade do povo. Não vamos ser acintosos. Com humildade aceitamos os resultados.

NF - O que é que acontece efectivamente no executivo camarário? Como é que o poder e a oposição se relacionam nas reuniões semanais?
JA - Há uma questão que deve ser desmitificada à partida. A Câmara é uma entidade executiva. Tem de dar despacho à construção de muros, por exemplo. A esmagadora maioria das decisões são aprovadas por unanimidade. Não faz sentido não ser assim porque a maioria dos assuntos são administrativos.
O que faz a diferença? O orçamento rectificativo, por exemplo. Ou achamos que o assunto remete para as responsabilidades da maioria e abstemo-nos. Ou então achamos que é lesivo para os interesses do concelho e votamos contra. Há questões que são de gestão corrente que não faz sentido não serem aprovadas por unanimidade e depois há questões que são fundamentalmente de acção estruturante sobre as quais teremos uma opinião.

NF - É a favor da construção da zona industrial de Fátima?
JA - Claro, claro. É perfeitamente estúpido estar-se a produzir um documento qualquer que vá condicionar o desenvolvimento de um território, deixando de parte aquilo que já é natural e espectável que aconteça. Se existe interesse, iniciativa empresarial, vontade, ela tem de ser integrada na estratégia de desenvolvimento local e tem de ser reflectida na forma como se utilizam os solos.

NF - Fátima pode ambicionar ser uma cidade única, de excepção?
JA - Fátima deve ir por aí. Mas ser única não significa que Fátima seja só a cidade. O território de Fátima vai muito para além disso. Necessitará de um interface interessante entre as duas partes. A A1 é um exemplo desse interface. Outro é o do aeródromo em Fátima, sendo um equipamento fundamental.
E se é importante uma plataforma de acessibilidades é também importante haver estruturas e actividades económicas que sustentem uma dinâmica que também diversifique.

NF - Na sua perspectiva, a diversificação da actividade económica local é compatível com a afirmação de Fátima enquanto centro religioso?
JA - Não é por causa de Fátima ser um centro religioso que não pode ter outro tipo de empresas. O turismo de natureza, por exemplo, pode funcionar interligado com o turismo religioso, explorando-se a zona rural de Fátima.
É importante congregar em Fátima um conjunto de condições e mecanismos que leve a que Fátima seja conhecida não só pela mensagem religiosa mas também pela qualidade da envolvente da sua mensagem religiosa. O que significa implementar um urbanismo interessante, estradas como deve ser, artérias pedonais como deve ser, acesso facilitado para pessoas com deficiência, etc, etc.
Fátima cresceu. Não se desenvolveu. E cresceu à custa do trabalho realizado pelo Santuário e por arte e mérito dos agentes económicos locais que arriscaram.

NF - Faltou o trabalho do poder público?
JA - A administração demitiu-se completamente. Uma coisa que muito me choca é, por vezes, ver determinadas pessoas com responsabilidades políticas apresentarem críticas face ao comportamento dos comerciantes de Fátima, até dando a entender que são uma gente terceiro-mundista. Isto é de uma ingratidão. Nós concordamos num aspecto: a imagem de Fátima tem de ser dignificada. Agora, essas pessoas necessitam é ser enquadradas pela positiva porque há aqui uma dívida de gratidão pelo contributo que deram ao crescimento de Fátima.
E há outra coisa muito importante que é o facto de Fátima representar uma mais valia para as áreas envolventes, independentemente de estar ou não no concelho de Ourém. Se por acaso Fátima se autonomizar, Ourém não perde absolutamente nada com isso porque o emprego que Fátima cria para pessoas do resto do concelho continua a ser exactamente o mesmo. A questão do concelho de Fátima é tratada em termos de política local conforme as conveniências.

NF - O concelho é um assunto esquecido que é importante e deve ser reavivado?
JA - Para mim é importante. Não assumi que ia lutar pelo concelho de Fátima, mas assumi o compromisso de me esforçar para criar condições em Fátima para que, no médio prazo, cinco, seis anos, fosse mais fácil justificar perante o poder político de Lisboa que Fátima tinha condições e teria a ganhar se lhe fosse dado um estatuto de autonomia.

NF - Que vantagens tem Fátima em ser concelho?
JA - É diferente Fátima estar a esgrimir orçamento enquanto estrutura autónoma do que estar dissimulada no concelho de Ourém. Fátima tem poder religioso e poder religioso significa também muito poder político.
Ganhavam Fátima e Ourém porque as poucas migalhas que caem em Fátima em termos de orçamento municipal seriam importantes para engrossar e dignificar os investimentos nas outras 17 freguesias do município. O concelho de Ourém consegue dar muito pouco a Fátima e não lhe resolve os problemas e esse pouco que dá a Fátima representa muito para as restantes freguesias.

NF - Havia quem previsse um resultado desastroso para o PS de Ourém nas últimas autárquicas.
JA - Ninguém que represente as estruturas do PS me disse isso. Provavelmente, havia pessoas do PS que diziam isso. Que fique bem claro que eu fui escolhido pelo Partido Socialista com inteira liberdade para fazer as listas como eu quisesse. Não quero acreditar que alguém do PS me daria um voto de confiança com esta abrangência assumindo que me estariam a empurrar para um resultado desastroso.
Que houvesse pessoas ligadas ao PS, e não só, que auguravam um resultado desastroso, não são hipócrita ao ponto de o negar. Algumas pessoas directa ou indirectamente me fizeram chegar essa indicação.
Sei até de pessoas bastante informadas que brincavam um pouco com apostas se eu iria ter um ou dois vereadores.

NF - Como justifica as reservas?
JA - As pessoas não me reconhecem um perfil mais político-partidário, puro e duro, daquele que consegue mobilizar eleitorado. A mais, uma pessoa que vem da área do ambiente é um alvo fácil de campanhas reprováveis, do género de telefonar às pessoas a dizer que se eu ganhasse as eleições nunca mais havia um muro aprovado no concelho.
O pouco tempo em termos de lançamento de uma campanha ajudava também às reservas.

NF - A indisponibilidade de Paulo Fonseca para ser candidato contribuiu para algum desalento no início do processo autárquico?
JA - Se calhar, dentro do PS, havia algum desalento. Não sendo o Paulo Fonseca quem é que vai ser? Nós provamos que tínhamos alternativa renovada em toda a linha. Conseguimos concorrer nas 18 freguesias do concelho com listas próprias, coisa que não acontecia desde 76. Por isso, o PS prova aqui que somos uma estrutura política muito mais aberta a novas soluções do que o PSD.

NF - O facto de ser um partido que não é poder local dificulta o trabalho de realização das listas?
JA - Eu andava a convidar pessoas para uma causa, do ponto de vistas das probabilidades, que não era vencedora. Esse facto complica, mas também intensifica o valor que temos de dar a essas pessoas, mesmo sabendo que é difícil aceitarem dar a cara e pôr em causa as suas carreiras políticas locais ou ao nível dos seus próprios negócios, das suas empresas.

NF - Ainda há algum receio a esse nível. Que uma candidatura pelo PS possa trazer prejuízos em termos de negócios?
JA - Obviamente. Eu tive muitas situações em que as pessoas abordadas tiveram uma reacção de medo face às consequências pelo alinhamento com determinada candidatura política. E algumas pessoas mo referiram com factos concretos, reportando a outras situações em que lhes foi feita uma certa coação dizendo “tu és deles, não levas mais nada”. Não foi uma, duas ou três situações avulso. Há, de facto, o estigma do medo que leva as pessoas a não querer ir numa candidatura alternativa ao poder vigente.

NF - Esse estigma tem apenas a ver com o poder instituído? Se fosse um candidato do CDS seria a mesma reacção e receio?
JA - Sim, sim, seria a mesma coisa. Ou a pessoa é do sistema ou não beneficia.

NF - Já não sente o estigma da esquerda?
Não. Existem ainda alguns vestígios de pouco esclarecimento, mais na zona do interior norte do concelho. Só aí senti algumas reacções agressivas. Na generalidade do concelho já não encontrei a animosidade e agressividade de outros tempos.

NF - O resultado do PS é reflexo de uma estabilização do eleitorado do PS?
JA - É o conjunto fundamentalmente de duas questões. Por um lado, uma certa estabilização de um eleitorado que passou a ver no PS uma alternativa de poder local. Depois é reflexo de um sentido crítico face à forma como o PSD tem vindo a gerir os destinos municipais e a formar as suas equipas, quer políticas, quer técnicas.
O Paulo Fonseca foi o primeiro a fazer o grande salto do PS e a esse feito não é alheia a sua forma de estar. Ele é uma pessoa que consegue fazer uma política de afectos. Eu acrescentei, agora, um outro factor: uma capacidade técnica e estruturação em termos de projectos e pessoas com perfil.

NF - O conflito com a JS por causa das listas às autárquicas deixou sequelas?
JA - A JS foi uma força ausente da campanha porque, em determinado momento, tive de assumir uma divergência em termos de acção. Uma diferença de pontos de vista que não permitiu nenhum consenso. Em termos básicos, as divergências tiveram a ver com as propostas que eu tinha em termos de lugares para alguns elementos da JS que não mereceram o acordo desses elementos. Por essa razão, tais elementos garantiram que a JS se desvinculasse e não integrasse lugares nem à Câmara municipal nem à Assembleia Municipal nestas autárquicas.
Não foram os jovens socialistas a ausentar-se – pelo contrário estiveram muito presentes nas listas -, mas sim a estrutura concelhia da JS que recusou integrar com elementos próprios as listas autárquicas.

NF - Num blogue que penso ser de Sérgio Faria é feita uma análise aos resultados do PS e defendida a necessidade dos socialistas fazerem um trabalho político ao nível das freguesias.
JA - Assumo uma responsabilidade com todas as pessoas que convidei para as listas. Vamos fazer um trabalho com os 54 eleitos do PS nas diversas freguesias. Vamos tentar que a mobilização e dinâmica que se criou em torno duma eleição não se perca durante os próximos quatro anos. Relativamente a isso eu tenho uma estratégia e uma metodologia bem claras e assumidas e já aprovadas nos órgãos próprios do partido e que são criarmos um modelo que vá ao encontro das necessidades de apoio dos nossos representantes nas freguesias. É a forma pela positiva de criar no território uma relação com as pessoas, de modo a que o PS não apareça nas freguesias meia dúzia de semanas antes das eleições a constituir as listas.
O meu compromisso é manter esta equipa unida e a trabalhar. Não perder este capital e trabalhar durante os próximos quatro anos.

NF - É por aí que o PS pode ganhar eleições em Ourém?
JA - Não posso falar em nome do PS, mas das propostas que faço enquanto cota parte desse partido. Se eu continuar a liderar essa articulação com os eleitos pelo PS convidarei os militantes socialistas e todas as pessoas independentes que quiserem estar nessas reuniões. Mas também não podemos esquecer que todas estas estratégias são colocadas em sede própria e aprovadas pela concelhia socialista.

NF - O candidato é também uma questão essencial para a vitória?
JA - Obviamente. Penso que nunca em Ourém se apresentou uma lista com qualidade à Câmara como a nossa. Não estou a dizer que nas outras listas não existissem pessoas boas. Estou a dizer que, no somatório, dificilmente se encontra uma equipa com pessoas com uma competência e um perfil, com provas dadas, como a que nós apresentamos.

NF - Estas eleições acabaram por fazer nascer um novo líder do PS local. Paulo Fonseca está em Santarém, António Gameiro foi para Lisboa. Assume essa liderança?
JA - A Comissão Política Concelhia vai ter eleições no próximo dia 26. O António Gameiro é recandidato. Se eu quisesse ter uma liderança na concelhia, candidatava-me.

NF - São duas actividades autónomas. A organização da estrutura e o seu projecto para trabalhar com os eleitos nas listas do PS?
JA - Para mim são. O princípio que esteve presente no período de campanha aplica-se também para o normal dos próximos quatro anos. Nós não temos de ter um partido omnipresente nas decisões dos eleitos. A ligação tem de existir apenas em termos do que são as grandes linhas de orientação política de força.

NF - As estruturas políticas não o motivam?
JA - Não me trazem um aliciante extraordinário.

NF - O que espera da concelhia?
JA - O PS precisa de uma estrutura que funcione. Espero que a estrutura seja eficiente do ponto de vista da logística do aparelho político-partidária. Precisa de ter uma estrutura consolidada em termos de militantes e de actividades que dêem a ideia que o PS está vivo e activo.
E, aliás, há toda uma vantagem de multiplicar. É bom que haja um partido como o PS que tem esta visão em Ourém, ao contrário do PSD que reduz sempre as coisas às mesmas pessoas e às mesmas famílias.

NF - É militante do PS?
JA - Sou militante e não refuto aquilo que poderemos dizer que são as liturgias do partido. Vou às coisas que tenho de ir. Apoio um candidato presidencial (Mário Soares).
Esta situação de assumir a presidência de uma comissão política concelhia só se colocaria se fosse uma missão que eu tivesse de ir fazer, se não houvesse ninguém disponível para desempenhar esse papel, o que não acontece. António Gameiro anunciou oportunamente que em Ourém seriam convocadas eleições. E a sua recandidatura.
Eu não sou candidato porque não é uma coisa que me motive e, em segundo lugar, porque existe uma pessoa que quer e está disponível para assumir esse lugar. Não há necessidade nenhuma de uma lista alternativa.

Ana Primitivo

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