A cereja que faltava no bolo

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A propósito da limitação de mandatos, lembro o que andamos para aqui a discutir e gostaria de apontar este pequeno pormenor de uma Lei apregoada aos sete-ventos como justa, exemplar e corajosa. Um mero detalhe de datas, que para os situacionistas do sistema e defensores da ética republicana, da moral e dos bons costumes não tem importância nenhuma, pois claro. O que conta é o estilo e não o conteúdo.

A cereja que faltava no bolo:

"São conhecidas as trapalhadas que ocorreram na Assembleia da República até que os partidos se conseguissem entender para aprovar a lei que acaba com os chamados 'privilégios injustificados' dos políticos — tal como os qualificou José Sócrates.

Salvou-se Alberto João Jardim, os deputados que estavam à beira da reforma não foram esquecidos e até os autarcas arranjaram forma de a contagem de mandatos não contemplar os mandatos já exercidos.

Mas a edição de hoje do DN traz mais uma surpresa. O diploma aprovado na Assembleia da República no dia 15 de Setembro apenas foi remetido para Belém no dia 4 de Outubro. Muito embora o Presidente o tivesse promulgado dois dias depois, este atraso implicou que a sua publicação no Diário da República só se verificasse no dia 10 de Outubro (Lei n.º 52-A/2005). Só que, estando-se já em Outubro, a alínea do diploma dizendo que 'a presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação' ganhava novo significado e fazia com que os efeitos só valessem a partir de 1 de Novembro próximo. E, neste intervalo de três semanas, os autarcas agora eleitos estão a tomar posse, e a iniciar novos mandatos.

Assim sendo, quem até 2009 perfaça seis anos como autarca em regime de permanência ainda terá direito a um conjunto de regalias que vigoraram nas últimas duas décadas: contagem a dobrar do tempo de serviço para efeitos de reforma, reforma antecipada (bastando seis anos como autarca e 30 de actividade profissional, independentemente da idade) ou, ainda, subsídio de reintegração. 'Só então se dirá verdadeiramente que os privilégios terminaram', como remata o DN. Quem disse que os autarcas não têm força?"

(Via Câmara Corporativa.)

6 Comentários

herm, o que e' que isto tem a ver com a lei ser mais ou menos justa?

Tem a ver com o que Frei João Tomás prega: faz o que eu digo, não faças o que eu faço. De facto ao mesmo tempo que o Governo corta em privilégios a outras classes de trabalhadores, aos autarcas diz: "Vocês também vão levar com sacrifícios mas.... só lá mais para a frente" Péssimo sinal ao país de facto.
Excelente artigo Fred.

Sim, sim, existem muitos fact-checks que apontam vários lapsos para a notícia do DN. Fica aqui também uma opinião parecida com a de Vital Moreira no blog onde retirei o artigo:

A notícia do DN incorre num lapso, que passa por atribuir valor normativo a um anexo com a republicação. A norma que se invoca para afirmar que a lei só entra em vigor nada mais representa senão "restos" da versão originária do Estaututo dos Eleitos Locais de 1987, que teve de se manter na republicação apesar de caduca. A nova lei entrou em vigor decorridos os 5 dias normais da vacatio legis, ou seja, a 15 de Outubro, pelo que os autarcas recém-eleitos já não usufruiram das regalias ou do regime transitório. Apesar da vontade dos srs. autarcas provavelmente ir no sentido de invocar a referia norma, tal solução é completamente recusada por uma leitura atenta do diploma e pela própria natureza de uma republicação em anexo.

Resta perguntar se o jornalista que escreveu o artigo no DN vai-se retratar? É que agora passaram a contar com o fact-checking dos blogs. O problema é o resto que se lê nos jornais e que se assume como 'verdade'.

Apesar de tudo, a minha opinião em relação a esta Lei não se altera e mantenho o meu pessimismo pelo menos até 2009. Se querem falar em medidas concretas no combate à corrupção e caciquismo no poder local, falemos então numa nova Lei de financiamento dos partidos, eleições primárias para as concelhias e uma nova Lei de finanças locais que responsabilize as autarquias e lhes dê liberdade para cobrar impostos. Entre outras coisas.

Fred; as autarquias sempre tiveram legitimidade para cobrar impostos, nomeadamente IMI, IMT ou Imposto de Selo. O que se passa é que normalmente esse serviço é prestado pela Direcção Geral de Impostos.

Miguel, não estou a falar da máquina fiscal. Estou a falar nos métodos de financiamento. Ou seja, a possibilidade das câmaras municipais terem a liberdade de estabelecer uma taxa sobre empresas e trabalhadores singulares dentro do município, baixando as taxas "nacionais" no IRS e IRC e acabando com parte substancial das transferências de verbas do governo central para os municípios. O que eu advogo é que as rotundas e demais *obra* seja construida com dinheiro dos impostos locais a sério, não apenas dos que incidem sobre imóveis. Gostaria também de ver os mucípios concorrerem entre si com diferentes taxas de imposto sobre empresas, por exemplo (não é a mesma coisa que os limites actuais para a taxa da derrama, embora não me vou meter numa discussão de fiscalidade, coisa que não domino).

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