Toná

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Aqui fica uma pequena história (tantas outras por contar) do Toná, um homem que para muitos, merecia uma estátua em Ourém. Eu como pertenço a uma geração que pouco ou nada sabe sobre o Toná, comentei num blog vizinho que gostaria de publicar histórias e informação diversa sobre este oureense. O Sérgio Ribeiro decidiu abrir uma das suas numerosas gavetas e enviou-me o texto (e que belo texto) que aqui publico e pelo qual lhe agradeço.

Imagem roubada do Ourém Outrora.

Há homens assim!

Não são muitos, mas há homens assim. Ou havia…

Quando se julga deles saber tudo, ou o mais importante, aquilo que faz com que o retrato que deles se tem pareça completo, eis que nos surpreendem.

O que é ainda mais perturbador quando esse homem já morreu há quase quarenta anos, e deixou uma dedada de vida tão forte que dele se tem uma memória que se vai renovando com as histórias que se vão contando e recontando, e nos continua a rir de coisas de que nos lembramos e de episódios e facécias que com ele vivemos [con(ele)vivemos].

Ora aconteceu que, num destes dias, me vieram falar do casamento de um desses homens, do “nosso” António Á, e me mostraram uma fotografia desse acontecimento.

Porque acontecimento foi!

Quem, em encontro amigo e de passagem, me veio falar do dito acontecimento – e veio em representação familiar pois conivente com o irmão –, e me trouxe a fotografia, estaria melhor colocado que ninguém, ele ou o irmão, para o fazer pois, não tendo participado em tal casamento, dele vieram a nascer.

(Esta maneira de descrever não pretende ser a modos de adivinha ou de charada, mas achei piada fazer este “jogo”, para que se descubra quem veio à conversa comigo e me trouxe a foto: já alguém que se tenha prestado a participar no “jogo” descobriu, decerto, que foi um dos filhos, como poderia ter sido o outro?)

Pois a fotografia é do casamento do senhor António Afonso com a sua “prometida” havia já alguns anos, a menina Gertrudes, a Estrudinhas como ainda hoje é conhecida.

É verdade que, então, os namoros demoravam tempo e eram coisa séria. No entanto, se tempo demoravam os namoros, o facto é que o sr. António Á se teria excedido na demora uma vez que já ele ia nos 43 anos quando se decidiu a “dar o nó”.

Não seria por isso que o pai da noiva está, na foto, com cara de poucos amigos. Até porque era dia de alegria, embora ter um genro daqueles não devesse ser coisa fácil. Mas, também, com tal sogro…

Aliás, deste senhor, o senhor César, também sei eu umas coisas, algumas delas de que fui assistente e comparsa, que ter a idade avançada que já tenho também tem algumas vantagens.

Pois o pai da noiva, o ti’ César dos pássaros, o “Pele e Osso”, o homem que animava as ruas de Vila Nova de Ourém em todos os Carnavais, é também um desses homens “assim… como havia antigamente”. E ainda há, parece é que há menos, embora estas avaliações só se possam fazer com décadas de permeio.

Mas, como não é do ti’ César que estou a escrever, passo adiante, só deixando a sentida lembrança (e homenagem) a um dos homens que preenchem o meu imaginário oureense e que coloco na galeria dos “meus tipos inesquecíveis”, ao lado de Artur de Oliveira Santos e de Joaquim Ribeiro.

E passo mesmo adiante.

Isto é, não digo mais nomes, certo de que me viria a arrepender de não ter referido uns que deveriam estar (e por uma ordem por que me viriam à memória e iriam sendo escritos), o que provocaria, sem qualquer dúvida, motivo para melindres. Que, aliás se me puseram num primeiro rascunho que fiz.

Mas voltemos ao senhor António Á, o “nosso” Tó (n)Á, e ao casamento dele com a menina Gertrudes!

O António Á!

O maior de todos. Na altura e na multiplicidade das actividades em que, em Ourém, deixou sinal e memória.

Nos jardins, na música, nos bombeiros, no desporto, nas decorações das festas.

Agora, também com mais esta, deste acontecimento que a fotografia testemunha:

são os seus convidados para o seu casamento.

É que o António Á decidiu convidar para o casamento os “miúdos do pé descalço”, a miudagem que andava na escola lá para cima da vila, de Castela e arredores.

Quando me foi contado, fiquei surpreso, mas depressa recuperei porque logo achei o gesto natural. Natural daquele homem em quem sempre descobri uma atenção e uma ternura pela miudagem – e eu fui miúdo durante muito tempo em que o acompanhei, com meus pais e gente bem adulta –, atenção e ternura que não tinham nada de piegas, de paternalistas.

Mas não sabia deste facto, deste convite aos “miúdos do pé descalço” para que fossem convivas do seu casamento, com fotografia que, felizmente, ficou como prova.

Sei que há a intenção, neste ano de 2005, de assinalar o dia 10 de Junho, data em que António Á faria 95 anos e 52 anos de casado.
(é curioso: os meus pais fariam, nesse mesmo dia 10 de Junho, 72 anos de casados, e a minha mãe fez, este ano, 95 anos pois também nasceu em 1910 como António Á!)

Ora esta foto tem de ser elemento central da comemoração.

Reconheço alguns dos miúdos, mas eles decerto se reconhecerão. Cinquenta e dois anos depois, são respeitáveis pais e avós de jovens e de crianças que não fazem a menor ideia do que era isso do “pé descalço”.

Neste primeiro grupo, a Tisinha é uma presença que se destaca. É a sobrinha da noiva, da Estrudinhas, filha do Chico César, e juntou-se a este grupo de jovens.

Num segundo grupo, o do meio, estão todos um bocado “ao monte”, e deixo aos próprios a incumbência de se descobrirem, e de se apontarem uns aos outros, desfazendo a molhada! Até me parece que está ali uma irmã a puxar a orelha ao irmão, mas não quero levantar falsos testemunhos.

Há aqui umas caras que julgo conhecer bem, mas não quero arriscar para não fazer má figura, e tem mais graça serem os próprios a identificarem-se.

O último grupo, é aquele onde estão os noivos e o pai da noiva.

Mas não falta miudagem, e um deles, já espigadote e de gravata, é outro sobrinho da noiva, o Tó Zé (o senhor António José). É neste grupo que se encontram alguns pés descalços para que a designação não seja considerada como invenção ou maledicência.

Para mim, menino a viver e a estudar em Lisboa, sempre calçado!, as frequentes vindas a Ourém e ao Zambujal foram muito importantes para eu saber que havia meninos que não usavam sapatos.

Com mais de meio século de distância, mais uma coisa agradeço ao António Á (e aos filhos, onde tantas vezes o revejo): termo relembrado a mim, lembrá-lo a quem descalço andou, e ajudar-nos (a todos!) a lembrar, aos meninos de hoje, que já foi assim que vivemos e que, feitas as contas, não foi há tanto tempo como isso.

E, também, que havia homens como esse senhor António Afonso, o António Á, que faziam questão em convidar, para o seu casamento, quem andava de pé descalço!

Sérgio Ribeiro
Zambujal, 23 de Março de 2005

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1 Comentário

É com grande orgulho que vejo esta pequena lembrança que é feita ao meu avô iniciativas como estas são sempre de louvar um bem haja a todos

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