Estado máximo, cobertor curto, pés frios II

| 13 Comentários | No TrackBacks

Estado máximo, cobertor curto, pés frios II:

“Escreve o JMF em editorial no DN:

Um autarca, David Catarino, presidente da Câmara de Ourém, reclamou ontem que o Estado limite os direitos de propriedade de forma a facilitar as acções de limpeza compulsiva das matas que sobreviverem às chamas deste Verão. A proposta porá os cabelos em pé aos liberais, muito em moda cá pelo burgo, para os quais a propriedade é sagrada e o Estado um empecilho a abater.

Numa autarquia urbana, os proprietários têm obrigação de cumprir determinadas obrigações no que diz respeito à segurança e ao pagamento de serviços públicos consumidos. O mesmo deve ser feito numa autarquia rural. Quem não cumprir regulamentos de segurança e não pagar os serviços comunitários deve ser multado. Quem não tiver dinheiro para pagar deve ter os seus bens penhorados. Quem for responsável, por incúria, pela ignição ou transmissão de incêndios aos vizinhos deve indemnizar os restantes proprietários.

O direito de propriedade não confere ao seu detentor o direito a serviços comunitários gratuitos, nem o direito à protecção gratuita contra incêndios, nem o direito de manter nas suas propriedade material inflamável que represente um perigo público. O estado não precisa de limitar os direitos de propriedade, nem o deve fazer. O que o estado deve fazer é desempenhar bem as suas funções básicas: garantir a justiça e a segurança. Mas isso não se consegue com leis arbitrárias que violam o direito de propriedade. Consegue-se pela aplicação de princípios básicos de justiça responsabilizando cada proprietário na medida justa.

No caso dos incêndios, o estado central tem-se concentrado no problema do combate aos incêndios, um problema que devia ser resolvido pelos proprietários, porque eles são ao mesmo tempo os principais beneficiários desse combate e os principais responsáveis pelo problema. E tem descurado algumas das suas competências básicas, como o registo de propriedades, a responsabilização dos proprietários e a perseguição dos incendiários. O estado tem mesmo contribuiído activamente para a incúria e o desordenamento florestal. A ideia de um Portugal florestal foi concebida no Terreiro do Paço por técnicos competentissimos. O ministério da agricultura tem tido uma política consistente de promoção do petróleo verde. Os dirigentes políticos há uns anos não falavam noutra coisa. Dias Loureiro chegou mesmo a dizer que Portugal devia ter mais 2 milhões de hectares de floresta.”

(Via Blasfémias.)

No TrackBacks

TrackBack URL: http://mtng.marques.cx/mt-tb.cgi/831

13 Comentários

um comenta'rio que merece destacar:


Subjectividade do agente é quando o mesmo pode de forma absolutamente discricionária aplicar uma coima sem que os particulares ( por desconhecimento, impossibilidade de interpor recurso por falta de meios,ou temor do "regedor ") possam opor-se...e no campo a instrução e conhecimento sobre estes assuntos ainda é menor que nas zonas urbanas.Um autarca na provincia é um pequeno rei.Quase absoluto.Só incomodado de vez em quando pelo TContas ou a IGAT.

Que boa proposta do Sr. David Catarino!
Aproveitando o comentário acima, apetece dizer: - Em terra de cegos quem tem olho é rei!
Infelizmente os Oureenses parecem ceguinhos, pois a cada quadriénio que passa, oferecem compulsivamente a maioria autárquica ao PSD, já é horinha de abrirem os olhos e.... mudar.
Ourém precisa de ser orientada por gente diferente, disposta a servir os outros e não a ’servir-se’.

Ao contrário do que defendem os seus detractores, o direito de propriedade não é ilimitado. O direito de propriedade é limitado precisamente porque toda a propriedade é necessariamente limitada. A única entidade com poder ilimitado é o estado, o qual tem poder sobre a sua propriedade e sobre a dos outros. Por causa deste poder do estado, a sociedade não é regida por princípios de justiça aplicáveis a todos, mas pela mera vontade política dos indivíduos que temporariamente estejam no governo. O estado, que devia ser o garante da justiça, é a maior fonte de arbitrariedade.

Não é por isso bom sinal quando os políticos começam a falar de limites à propriedade florestal. O que eles têm em mente não é o respeito de cada proprietário pelo direito de propriedade dos restantes, um princípio que o estado tem obrigação de fazer respeitar e que se respeitado resolveria o problema dos incêndios. O que eles têm em mente é a utilização do poder ilimitado do estado para tomar, com base em fantasias ideológicas, decisões arbitrárias sobre a propriedade de todos.

É assim mesmo.
Primeiro que arda, nem que seja o país todo.
Depois a polícia e os tribunais "tomam conta da ocorrência".
É preciso cá uma paciência...

Ó Aldeia da Cruz,
e quem são esses que querem servir Ourém? Já agora, põe lá o nome.

Estas questões são muito sérias, meus amigos.
E há um problema de cadastro que é quase básico.
O Estado pode/deve obrigar a certas acções dos particulares para impedir que a ausência dessas acções prejudique outros ou a comunidade, e pode/deve substituir-se aos particulares nessas acções se os particulares não as fizerem, sendo os custos por conta dos particulares que não fizeram o que deveriam ter feito e determinado lhes foi. Para além de outros procedimentos.
Em teoria, tudo certo.
Mas o quê é de quem?

e se o particular na~o pagar, porque na~o pode ou porque na~o quer? fica o estado com a propriedade? o core business do estado na~o e' o imobili'ario ou a gesta~o de terrenos, e todo o dinheiro gasto a partir dai' na propriedade em causa sairi'a dos bolsos de todos.

eu pessoalmente tenho mais em que gastar o meu dinheiro (por exemplo em sistemas de sau'de; educac,a~o seguranc,a ou mesmo para contribuir para uma reforma administrativa que venha acelerar os processos judiciais contra estes incumpridores).

ale'm disto, tomando esta atitude o estado na~o incentiva de modo nenhum os proprieta'rios a cumprirem a lei, o pior que lhes pode acontecer e' ficarem sem uma propriedade 'a qual ja' na~o atribui'am valor algum. por isso mais vale deixar arder que depois o santo estado tratara' de a limpar e ainda me faz o favor de ma tirar das ma~os.

para os cumpridores, o estado passa uma imagem de na~o ter pejo em utilizar o poder absoluto e discriciona'rio que tem, sendo possivelmente eles o alvo amanha~ dos apetites do cacique de servic,o, pelo que mais vale estarem quietos porque o potencial investimento que viriam a fazer na propriedade pode ser perdido de um dia para o outro.

sou liberal old fashion e não concordo com a seguinte expressão: "a única entidade com poder ilimitado é o estado". não. o estado nunca foi a entidade omnipotente, o deus telúrico, que muitas doutrinas sugeriram e propagandearam. mesmo o estado na sua forma absolutista tinha poder limitado. por outros poderes. embora, claro, tivesse mais potência do que os outros poderes. não há entidades com poder ilimitado. onde há poderes, quaisquer que sejam, há resistências e lutas pelo poder.
vai daí, no meu juízo não faz qualquer sentido admitir o seguinte: "por causa deste poder do estado, a sociedade não é regida por princípios de justiça aplicáveis a todos, mas pela mera vontade política dos indivíduos que temporariamente estejam no governo". a acção governativa, como qualquer acção, é uma acção estrutural e circunstancialmente limitada. a vontade do governo não dispõe ilimitada e arbitrariamente sobre tudo. para além dos limites preescritos pelo direito, existem os limites decorrentes da vigilância das oposições e dos cidadãos, sob as mais diversas formas e os limites funcionais - aquilo a que se chama o aparelho de estado, pelos mais diversos motivos, tem uma capacidade de acção intrinsecamente limitada. é um facto que o direito muda. como mudam as manias e as vontades de cada um. no contexto das ordens ditas democráticas, o que sucede é que a produção de direito é regulada por princípios e limites tomados como fundamentais. a sua aplicação também. admito que a realidade tenha desvios a esta definição perfeita. mas, pelo que vejo, tenho dificuldade em admitir que o estado seja mais fonte de arbitrariedade do que a sociedade civil, esse universo de diversidades, contingências e propriedades. daí que não me arrepie o propósito de regular o modo de preservação da propriedade florestal, designadamente no que se refere à limpeza das propriedades.
e claro, agora a paródia, as criaturas em honra de estado como não têm mais nada com que se preocupar - a começar por si-mesmas -, o que querem é nutrir a mania e a ilusão do estado omnipotente. é uma perspectiva. não sei se liberal. se baseada em fantasias ideológicas. ou se baseada em espectros utópicos. o que não me parece é que corresponda à lógica das coisas. mas sei lá.

Sobre este assunto e já que se anda por citações e leituras, recomendo o artigo de José Adelino Maltez (A limpeza coerciva das matas e os dragões de papel do socialês):

Portugal pode ser hoje objecto dos comentários jocosos de um célebre jornalista alemão que, muito cruamente, nos caracterizou pelos dez estádios para o Euro 2004, pelos saldos, pelas férias e pelos incêndios, mas não pode esquecer que somos a floresta mais minifundiária do mundo, com cerca de meio milhão de proprietários florestais, onde quem quer que saiba fazer contas pode calcular quantos orçamentos de Estado nos custaria limpar a mata privada. Por isso são curiosos alguns discursos de certo subconsciente do socialismo utópico que bem gostaria de nacionalizar essa mancha oriunda da pesada herança dos nosso proprietarismo liberal, quando entoa discursos típicos dos que podem prometer mas não conseguem cumprir.

[...]

Basta fazermos contas: o território português tem 9,2 milhões de hectares dos quais 3,3 milhões são floresta representativos de 3,2 do PIB nacional e responsáveis pelos postos de trabalho de cerca de 3% da população activa. Logo, só poderemos resolver um problema económico com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas. Portanto, saibamos quantos orçamentos de Estado pode custar aquilo que era a necessária limpeza coerciva das matas e entendamo-nos: os proprietários florestais só limparão a coisa quando ela voltar a ser economicamente compensadora e a nossa agricultura deixar de ser uma simples subsidiária de uma PAC feita para certas parcelas da Europa, onde há enxurradas nos meses de Verão. Ninguém consegue fazer economia contra as condições edafoclimáticas, tal como ninguém devia fazer florestação exótica. Os responsáveis por esta ideologia pseudo-desenvolvimentista, consagrada pelo cavaquismo, cometeram um verdadeiro crime de lesa-majestade que não pode ser punido, invocando-se o subconsciente nacionalizador de certos dragões do socialês!...

Confesso - custa, mas confesso - que estou a sair um pouco abalado deste período de incêndios. É que vem tudo à tona e não sei para onde me voltar! E os rins já não estão como foram para dar sucessivos golpes dos ditos...
As consciências estão despertam, como não me canso de repetir. Mas... a nossa informação é muito deficiente. Dizemos com uma facilidade impressionante que somos "o País que mais isto" ou "o País que menos aquilo" e os dados disponíveis e credíveis não o confirmam.
Uma das coisas que me está a preocupar, e seriamente, é a atitude de rejeição quase institiva, repulsiva, de tudo que respeita ao Estado por parte de muitos de quem não tenho qualquer dúvida da honestidade (intelectual) e boa fé.
Para mim, o Estado é um reflexo superstrutural da relação de forças de classe. Não o vejo, no entanto, mecanicamente porque ele também se reflecte e as interdependências são cada vez mais fortes. Embora sobre uma mesma base social e material.
Mas não diabolizemos o Estado. Ou, então, não se é liberal mas anarquista ou filo-anarquista. Onde também houve, e há, muito boa gente.
De qualquer modo, caro Fred, respondendo à directa interpelação, a conversa nunca está acabada, Vargas Losa não (me) serve de argumento de autoridade, bem pelo contrário, e há um ponto de entendimento ou de passagem com parque de estacionamento para convergências: é que há um "liberalismo" económico, há um "liberalismo" político, há um "liberalismo" ético, moral. Ou melhor, as várias vertentes - económica, política, moral - não são do mesmo "liberalismo".
E, depois, há a tal libertinagem... que não tem a ver com nenhum e aproveita de todos.

Os incêndios deste Verão em Ourém, não me atingiram, mas atingiram bem de perto família minha. O meu avô contou-me que salvou a casa do incêndio porque lembrou-se de limpar o matagal nos terrenos e pinhais seus que tinha à volta da propriedade uns meses atrás. Mas e os pinhais dos outros que estavam ali bem pertos? Tenho muitas dúvidas sobre soluções impostas e do que se teoriza sobre esta matéria. O que é que eu percebo de floresta, matas e agricultura? Pouco. No entanto, procuro informar-me por quem perceba ou por quem queira perceber. E penso que é um sentimento comum entre muitos. Tentar compreender e perceber causas. Não existem soluções milagrosas e livros brancos que nos safem. Mas é fácil descortinar e denunciar a continuação de políticas que já se provou que não funcionam. O Estado não pode chegar a todo o lado, o problema é que continuam a insistir no Estado para chegar a todo o lado e o Estado não se dá ao respeito neste país. Querer um Estado forte não é a mesma coisa que querer um Estado grande. Eu acredito na democracia, no mercado livre e no Estado de Direito. Não sei se isso faz de mim um neo-liberal ou outra coisa proto-liberal. Quanto à discussão do liberalismo enquanto exercício intelectual no descortinar de várias vertentes económica, ética, política e outras que tais, não é meu objectivo provar seja o que for, até porque a minha "filologia" dos textos e autores ainda é modesta e continua na descoberta que me agrada bastante, como é óbvio. A conversa poderá continuar, com os liberais 'old fashion', os de esquerda (sim, porque também os há) e os outros que não se revem em nada disto. Mas o tempo, escasseia.

... Se o tempo escasseia! Como eu o sinto!
Quase não dá para dormir, mas não dormir também não ajuda nada. Adiante... que cada um tem de gerir o tempo que é seu.
Agora o que não vale a pena - não vale o tempo - são discussões tipo dicionário de significados correntes "à la carte". As palavras são fundamentais pelo que significam mas não nos podemos agarrar a elas e construir a partir delas. Elas, sim, são uma construção. E, depois, são uma utilização. Por vezes perversa.
Eu sou comunista... mas não a caricatura que fizeram da palavra-conceito para o atacarem. Terei, cada vez que disser o que sou, puxar do (meu) dicionário para dizer que não tem nada a ver com colectivismo, igualitarismo, centralismo sem democracia?
Ó Fred, se calhar o seu liberalismo está muito mais próximo do meu comunismo do que perversões e malfeitorias fizeram dos respectivos conceitos, que até podem não ser antagónicos.
A noção que se vislumbra neste seu comentário sobre o que pensa de Estado parece-me uma boa "ponte".

Actividade

Comentários Recentes

Mais Comentados

Arquivos

Flickr

Flickriver
Powered by Movable Type 4.38