Pro causa pública

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A (des)propósito. "Fazer prevalecer o interesse público contra os interesses privados é a obrigação mais elementar de todo o decisor público. Patrocinar interesses particulares contra o interesse público constitui a violação mais qualificada da sua missão". É assim que começa o artigo «Conspiração contra o interesse público», de Vital Moreira, publicado na edição de hoje do Público (n.º 5531, 17.Maio.2005, p. 5). A ler.

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Também a (des)propósito, recomendo a leitura no Desesperada Esperança, Bem Comum (Via o Insurgente):

Os interesses de uns poderão ser comuns a outros, mas dificilmente serão do interesse de todos. Assim, a única coisa que poderá ser comum será o interesse em que os vários interesses se degladiem num quadro legal igual para todos.
(...)
[A] função do Estado não é, em sentido literal, zelar pelo bem dos seus cidadãos (que não pode garantir) mas sim pela cumprimento da lei por parte de todos, incluindo o próprio Estado.
(...)
O poder serve (ou deveria servir) para ser o árbitro no jogo dos vários interesses. Ora o árbitro não chuta para a baliza, a favor de uma das equipas. Apita as faltas que uns ou outros fazem. Se o árbitro não cumprir a sua função, então não há forma de garantir que os outros cumpram as regras.

Caro Fred,
a ideia de que o poder-Estado é neutro, que serve (ou deveria servir) para arbitrar interesses parece-me perigosíssima.
O poder-Estado reflecte a relação de forças, não é neutral, serve interesses e, por isso, a representação deve (deveria) ser proporcional à expressão eleitoral que pode reflectir essa relação de forças/interesses. Embora tenha de (deva) morigerar excessos das forças/interesses prevalecentes. Por razões... de Estado, da sua sobrevivência.
E as leis? Serão elas neutras? A meu ver, longe disso.
Uma conversa a começar.

O poder do Estado é algo que causa muita cobiça.
Nunca como agora se viu esse poder ser colocado ao serviço dos chamados interesses "obscuros". Não que não acontecesse antes, mas creio que chegámos a um ponto onde temos de fazer uma reflexão profunda: que pessoas são estas que, ao serem chamadas (pelo voto e pelos seus concidadãos) fazem tudo menos governar? Que Estado é este que permite que a sua riqueza sirva para tudo excepto estruturar, dar a quem precisa e lançar bases de desenvolvimento?

Acredito num Estado regulador. Mas o Estado é feito de pessoas, e eu não acredito nestas pessoas. Logo, não acredito NESTE Estado, feito por ESTAS pessoas.

parece-me haver aqui um problema. o estado que existe é este. as pessoas que existem, umas e outras, são estas. que fazer?

... Que fazer? (como pergunta o sf e perguntava o "outro"?)
Pois, vivendo em democracia, nesta democracia, colocar todo o nosso peso de cidadão (que tão pouco é mas insubstituível) na melhoria da democracia, procurar contribuir para a tornar mais governo do povo ao serviço do povo, isto é, das populações na(s) sua(s) heterogeneidade(s) de todo o tipo, mais governo para o povo, mais democracia participada sem prejuizo da constante melhoria da representatividade.
Colocar esse peso (ínfimo e imprescindível) de cada um na denúncia e no combate ao que pretende cristalizar a democracia que vivemos no exercício do poder por uma oligarquia ao serviço dos interesses económicos dominantes, com uma casta de "políticos" em alternância prosseguindo as mesmas políticas.

"... colocar esse peso (ínfimo e imprescindível) de cada um..."

Ora aqui está! Parece-me que o peso é cada vez menor (embora não deixe de ser fundamental - por enquanto).

Sou uma pessoa atenta ao que me rodeia e considero os "fóruns" das rádios (TSF e Antena 1) um bom barómetro do que realmente pensa e sente a sociedade portuguesa. Ultimamente tenho ouvido muita gente a refererir-se a "o que vem aí", "eles querem voltar", "não sei onde é que isto vai parar".
Com a total descredibilização dos actuais agentes políticos, com a corrupção que existe (não tenho dúvidas absolutamente nenhumas - até podia contar aqui uma história bem picante, mas fica para o jantar d'O Castelo :D), começam a criar-se condições para o aparecimento de um "D. Sebastião" que nos salve disto tudo.

Não acreditam? Eu só sei que a História tem por mania repetir-se e que a realidade ultrapassa largamente a ficção.

Eu tento fazer a minha parte (nem que seja escrevendo aqui e votando quando a isso sou chamado) e tento fazer ver aos que me rodeiam que "isto", o que está mal, somos nós. E cabe a cada um de nós mudar. Mesmo com o nosso peso ínfimo e imprescindível.

compreendo. água mole. em pedra dura. embora a água e a pedra sejamos nós. todos. é isso, isto, simultaneamente a nossa esperança e a nossa desgraça.

Caro Sérgio Ribeiro,

depreendo que quando fala no poder-Estado, está a referir-se ao governo, que faz parte do Estado. É o governo que 'governa' e tem o verdadeiro poder dentro do Estado e este nunca foi nem nunca será neutro, tem toda a razão. Temos outro poder, o Parlamento (outros lhe chamam Assembleia da República), e que poderia ser de facto mais poder para além do legislativo. E então o que dizer do Presidente da República? É o chamado guardião-mor dos interesses da República muitas vezes confundido com os interesses do Bem Comum. Mas apesar da insistência em chavões como o 'presidente de todos os portugueses', o PR nunca foi nem nunca será neutro, mas é eleito por sufrágio universal. O governo, tal como o parlamento, é formado por pessoas que estão lá porque foram eleitas pelos que votam, mas outras - no caso da Administração Pública - porque foram nomeadas por eleitos. E o que dizer dos Tribunais, que também fazem parte do Estado? No fundo, estamos aqui a falar de vários poderes dentro do Estado que teoricamente existem para que haja uma separação de poderes, num modelo conhecido de checks&balances. Separação não é a palavra certa, diria mais, equilibrio de poderes, porque todos eles estão ligados entre si. O problema é que em Portugal, estes poderes, estão demasiado ligados. Todos dizem e constata-se que os Tribunais são independentes do Estado quando se trata de aplicar a lei. Mas antes de alguém ser julgado, é feita uma investigação e acusação a cargo do Ministério Público. E quem é que nomeia o Procurador-Geral da República? Quem é que nomeia o director da Policia Judiciária? Quem é que tem o poder de fornecer meios para a investigação e combate aos crimes de colarinho branco, corrupção e tráfico de influências? Basta ver também a 'excelente' qualidade que o Ministério da Justiça presta aos seus cidadãos, com tribunais atolados de processos a ganhar mofo e para se fazer justiça as pessoas tenham que andar a penar durante anos. Eu próprio já senti na pele a vergonhosa morosidade da Justiça portuguesa. Podemos dizer que tudo é normal, o governo, o poder-Estado tem os poderes que tem, porque democraticamente foi eleito pelos naturais da República. Para além dos tribunais morosos, a única coisa que nos resta é o poder de voto. Mas o povo continua a não ter muita opção quando opta por candidatos escolhidos pela oligarquia de poder também chamada de partidos políticos do Estado, que dão pelo nome de PS e PSD (com os atrelados de ocasião). E porquê estes dois partidos? Porque são os que nunca fizeram rigorosamente nada para que o Estado-Moloch fosse reduzido. Fizeram exactamente o contrário, engordaram-no. Usaram-no para distribuir benesses, favores e empregos. Vejam a quantidade de pessoas que dependem do Estado para viver. Acham que vão votar em algum partido fora da oligarquia tradicional ou que queira fazer uma profunda reforma da Administração Pública? Todos votam pelo seu interesse, o que é legítimo, mas esquecem-se que o Estado não é o fim, é apenas um meio, entre outros. Mas também seria legítimo começar com uma reforma profunda do sistema político a começar pelos próprios partidos. Transparência de contas e transparência no financiamento. Não me chateia nada se um grupo empresarial fizer donativos a um determinado partido, mas isso tem que ser do conhecimento público. Faça-se às claras, para que todos vejam. Iriamos ter belas surpresas. Mas sobre esta questão, todos olham para o lado e assobiam para o ar. Pois é. Não convém.

Chateia-me um bocado quando se tem como noção de que o Estado é uma entidade acima de todos nós. Fala-se no Estado como estando á parte, sem que lhe possamos tocar ou sequer fazer qualquer coisa para tornar esse Estado melhor, mais produtivo, mais rico (de ideias, causas, emprego, justiça...) Afinal de contas o Estado somos todos nós, e somos nós que temos de contribuir individualmente para tornar o nosso Estado melhor. Tenho a impressão que muitas vezes se confunde Estado com Governo, ou então colocam-se os dois no mesmo saco...

Chateia-me um bocadinho os que confundem o Estado com Nação. Ou os que não se importam que o País se torne cada vez mais num imenso Estado letárgico.

Caro Fred,

Obrigado pelo estimulante texto que me endereçou.
Começa por depreender mal porque, quando falo de poder-Estado não me refiro ao governo mas ao poder que se exprime, na sua vertente política, através da estrutura compósita do Estado. E o Estado é a Nação politicamente organizada.
O governo é só (!) a componente executiva dessa estrutura; o parlamento, formado pelos eleitos nacionais, tem o poder de fazer as leis, de aprovar (ou não) o programa do governo – e sem essa aprovação não há governo! –, de demitir o governo se considerar que não está a respeitar as leis ou a cumprir o programa; o PR tem um poder “magistral” (ou “magisterial”) e, no caso português, pode, como se viu recentemente, dissolver a AR, fazendo cair o executivo, o que o parlamento poderia ter feito e, por não o ter feito, fê-lo o PR. (estamos apenas a ver o funcionamento teórico que, na prática, foi ilustrado e mostrou a hierarquia dos poderes nessa vertente política)
Antes de passar a outra questão, apenas saliento que o governo não é formado por eleitos e, se eleitos vão para o governo, deixam de o ser. O governo, o executivo, é nomeado, empossado e “fiscalizado” por eleitos. Esta é uma confusão a esclarecer, mas que não se quer esclarecida. O 1º ministro não é eleito como todas as campanhas o querem fazer crer!
Depois, há o poder judicial, teoricamente apenas zelador do cumprimento da Constituição (Tribunal Constitucional) e das leis da República. Cuja ligação ao governo deveria ser, exclusivamente, a disposição de condições para funcionar, isto é, o executivo deveria garantir-lhe condições de funcionamento materiais e humanas.
Na Polícia Judiciária, órgão do executivo, a presença do poder judicial é para acompanhar a acção executiva e não permitir que o executivo seja… excessivo, defendendo os direitos dos cidadãos.
Como diz, há (deveria haver) um equilíbrio de poderes. Aliás, o grande risco é o de, ao absolutizar-se o poder executivo, eliminando ou tornado folclóricas as outras componentes, se cair em ditaduras.
Os partidos? Não são órgãos de poder. São associações de cidadãos, por interesses ou por classe, para exercerem actividade política, nomeadamente candidatarem-se a órgãos de poder, na defesa do que os levou a associarem-se. Numa experiência histórica importantíssima um dos erros mais graves foi a confusão entre governo e partido maioritário (ou único, o que não é condenável em si), o que é condenável mas que as “nossas” maiorias absolutas praticam com toda a ligeireza... democrática.
Claro que tudo isto é susceptível de interpretações, e estou a reflectir ao correr das teclas…
Acrescentaria que, tal como estão as relações sociais prevalecentes, o poder económico é determinante, e daqui decorre a forma como a nação está politicamente organizada e como se exerce o poder político, claramente (mas escondidamente…) nas mãos do capital, cada vez mais financeiro, cada vez mais transnacional.
Recuso-me é à resignação que pode vislumbrar-se na sua frase “a única coisa que nos resta é o poder de voto”. Recuso essa resignação que leva a que se venha a desistir até “disso” que nos resta. Há muita actividade social e participação política na Nação, para além da, ou até contra a que se realiza nas estruturas do Estado. Isto, obviamente, sem passar a formas extremas só justificáveis – e com a sempre presente cautela dos meios serem julgados pelos fins – quando formas de Estado violentas, ditatoriais, se instalam.
Espero não ter sido excessivamente extenso.
As melhores saudações.

Extenso? Não, de igual modo para mim também é estimulante. Sobretudo para um mero curioso no que toca a questões políticas. E já agora, deixo aqui uma citação do que escreveu Vasco Pulido Valente no Público e que fala do défice, o que necessáriamente também é falar do Estado:

"O défice não é uma questão económica e financeira, corrigível com medidas a retalho e os 'sacrifícios' do costume. É um sintoma de ingovernabilidade do país. Quem não percebe isto não percebe nada".

E pergunto, o Estado que temos é o nosso próprio reflexo enquanto povo, enquanto sociedade? E só mudará quando todos nós, individualmente, o quisermos de facto? Ou as coisas não são assim tão lineares?

Na minha perspectiva, o Estado que temos, o estado em que estamos..., é o reflexo da relação de forças várias no interior do povo que somos, e no contexto, cada vez mais planetário, em que nos inserimos.
Mas nada é linear, longe disso! Tudo com toda a complexidade do que é individualmente complexo e se inter-relaciona nos colectivos de que o individual se não pode alhear.
E como se chega ao quereres, individuais e colectivos, que levam aos caminhos marítimos ou aos 25 de abris que mudam as coisas? Ninguém tem - pode ou deve ter - a pretensão de que sabe fórmulas para fazer quais os caminhos que levam a que destinos.
Como dizia o poeta António Machado, o caminho faz-se ao caminhar. É preciso é saber em que direcção se quer caminhar. Eu - é a minha opção - quero que o caminho que vou fazendo ao caminhar seja na direcção de um mundo sem exploração do homem pelo homem, de paz, solidário. Estarei a contribuir para que se faça?
Bem gostaria de estar absoltamente certo que sim.

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