Ela e elas

| 4 Comentários | No TrackBacks
A propósito do défice de mulheres em lugares de decisão política, afirmou Deolinda Simões que “as quotas foram ideia de algum homem para aliviar a própria consciência” (in Notícias de Ourém, n.º 3522, 6.Maio.2005, p. 9). Quando alguém não sabe do que fala é aconselhado que se remeta ao silêncio. Por dois motivos. Para não dizer asneiras. E para evitar que os outros, inocentes, sejam atingidos por tais dislates.
Nos países escandinavos, reconhecidamente onde mais se fez e conseguiu no plano de igualdade entre os sexos, as quotas foram um dos mecanismos mais reclamados pelos movimentos feministas. Aliás, hoje, se a Finlândia e a Suécia, por exemplo, são apontados como casos a tomar como referência neste domínio, convém não esquecer que, por lá, há várias décadas que os principais partidos políticos adoptaram o dispositivo das quotas. Como é óbvio, a adopção de tal instrumento não explica tudo o que aí foi conseguido em termos de igualdade entre homens e mulheres. Mas explica muito. É por isso que pretender que “as quotas foram ideia de algum homem para aliviar a própria consciência” revela ignorância, preconceito ou qualquer outra inclinação ao obscurantismo. Vá lá saber-se...

No TrackBacks

TrackBack URL: http://mtng.marques.cx/mt-tb.cgi/656

4 Comentários

Eu li umas coisas sobre as quotas e tal, mas tenho dúvidas. Dou um exemplo. Vamos supor que existem 100 candidatos a 20 cargos na administração pública que tenham a ver com, por exemplo, uma área económica. Suponhamos também que existe uma lei ou regra que imponha uma quota de pelo menos 50% de mulheres (neste caso serão 10 cargos). Olhando para os candidatos mais preparados entre os 100 (em termos de experiência profissional, formação académica, avaliação psicológica, etc) e sem olhar ao sexo, ficamos com uma conta de 15 homens e 5 mulheres (uma delas terá o cargo de topo). Foram escolhidos por critérios rigorosos de competência (eu sei que estes critérios na administração pública não tem nada a ver com a realidade). No entanto, a lei obriga a uma quota mínima de 50% de mulheres. Sendo assim, os tais 5 candidatos mais bem preparados do que os outros candidatos (incluindo mulheres) vão ser substituidos por 5 outros candidatos, só pelo facto de serem homens. É isto a igualdade entre os sexos?

compreendo a tua questão. por princípio, as quotas não devem ser aplicadas a escrutínios baseados em competências técnicas. salvo quando, por razões outras, não estiver garantida a igualdade de oportunidades. e nessas circunstâncias talvez seja defensável a definição de uma quota de protecção (e de justiça).
o problema para mim é o outro e tem a ver com o acesso ao espaço político, por estar sobejamente diagnosticado que a desigual partilha de responsabilidades entre homens e mulheres no foro doméstico, com prejuízo para elas, tende a ter como consequência a limitação das oportunidades das mulheres no espaço público.
há duas formas de olhar para este problema. uma em perspectiva dinâmica. outra em perspectiva estática.
em perspectiva dinâmica, no plano político, em portugal, tem demorado muito a ser corrigida a assimetria entre os sexos. o mesmo se verifica na generalidade das organizações que lidam com interesses «duros», como a banca ou as seguradoras. centrando a atenção exclusivamente no plano político, as quotas, enquanto medida provisória e não duradoura, a par de outras medidas, podem acelerar a aproximação a um horizonte de paridade. que tarda a acontecer sobretudo por inércia.
em termos de perspectiva estática, para ilustração, pode desenhar-se um cenário diferente do que desenhaste, provável mais plausível. supõe que não existe uma regra que impõe quotas. existem 20 cargos de responsabilidade política para serem preenchidos. é feita uma avaliação das pessoas em função dos critérios habituais, devidamente ponderados pela tradição. 18 desses cargos são consignados a homens e 2 são consignados a mulheres. é isto a igualdade entre os sexos?

Depende. Porque não sabemos o porquê de haver apenas 2 mulheres no cenário que descreveste. Foi por não haver interesse pela política por tantas mulheres como homens ou por ter havido uma descriminação feita ao sexo feminino? É esse o problema, na minha perspectiva. A mim preocupava-me também o facto de haver 10 cargos atribuidos a mulheres, sendo 8 estarem ali apenas por isso, por serem mulheres. Da mesma maneira que sou contra que só homens ocupem um cargo por isso mesmo, por serem homens. Ou os jovens das Jotas que ocupam cargos em partidos por serem apenas jovens. Ou os filhos de políticos ocuparem cargos por serem apenas isso, filhos de políticos. Mas eu não acredito que o machismo se combate por Decreto-Lei. Acredito na igualdade entre homens e mulheres, sobretudo na igualdade de direitos e oportunidades. Olhando pela percentagem de mulheres na população poderíamos imaginar que o normal seria haver mais participação destas na vida política. Mas considero que a imposição de quotas é uma má solução, mesmo que a utilizemos numa perspectiva dinâmica, com um prazo definido, até ser corrigida a tal assimetria. Mas quem define esses valores? E que valores? 40%, 50%? E se os valores esbarrarem nos 60%? Passaremos a ter quotas para homens? Eu não estou preocupado com a falta de mulheres ou homens na política. Estou preocupado sim, com o seu aperfeiçoamento, com o melhorar da classe política em geral. Na minha opinião, as quotas servirão para colocar mais mulheres na política, mas apenas por isso, por serem mulheres e apenas mulheres. A pretexto da correcção de uma desigualdade, promove-se outra desigualdade. No entanto, somos dois homens a discutir uma questão relativa a mulheres. Era bom que alguma mulher tivesse a bondade de nos dar a sua perspectiva sobre o assunto. Seria interessante, não?

há uma coisa que é inegável em portugal: a tradição patriarcal. ela vem do fundo do tempo e ainda hoje se manifesta de modo pujante, embora as formas pelas quais se manifesta actualmente sejam mais sublimadas - e, portanto, aparentemente menos violentas ou mais naturais. o que, ainda assim, não significa que as coisas estejam como há 30, 40 ou 50 anos atrás. a trajectória foi positiva, porquanto a recomposição daquilo a que se chama portugal foi no sentido de uma qualificação cívica e social da condição feminina.

mas depois surge a pergunta: por qual raio é que há poucas mulheres na política?, «foi por não haver interesse pela política por tantas mulheres como homens ou por ter havido uma discriminação feita ao sexo feminino?».

o índice de envolvimento político das mulheres é inferior ao dos homens. mas isto não é um dado da natureza. factores aparentemente insignificantes, como o tempo, o interesse ou a paciência, são recursos importantes para o envolvimento político e, consequentemente, para a participação cívica são desigualmente repartidos entre os homens e as mulheres. para um grande número de mulheres, a franca maioria, a desigualdade de oportunidades constrói-se entre as paredes do lar, onde tudo parece natural. mas não é. não é a mulher que tem que cozinhar, coser, lavar a louça e a roupa, passar a ferro, limpar a casa, cuidar dos putos e levá-los à escola, às actividades complementares ou ao médico. e em portugal está mais do que documentado a assimetria sexual que existe em termos de partilha das actividades domésticas. para além disso, há evidência empírica que demonstra que, mesmo entre os segmentos sociais mais juvenis que já contraíram matrimónio, a trajectória do elemento feminino tende a ser subordinada à trajectória do elemento masculino. traduzindo, para o homem poder subir na carreira, pertencer à direcção de uma associação, andar metido nas políticas ou, por e simplesmente, ir ao café jogar chinquilho ou sueca com os amigos, a mulher tem que ficar em casa, ocupada com a gestão e os afazeres domésticos.

a isto acresce ainda que raramente a distribuição dos lugares políticos se faz exclusivamente ou sobretudo em razão da competência das pessoas. e o problema claro que está a montante. o capital político é desigualmente distribuído. e é desigualmente distribuído também em função do sexo. é por isso que logo no lote dos elegíveis ou dos nomeáveis há já muitos mais homens do que mulheres. e, depois, essa assimetria é transposta para o plano das criaturas que são efectivamente eleitas ou nomeadas.

pessoalmente não sou partidário das quotas. a minha costela liberal old fashion dá-se mal com proteccionismos (ou qualquer forma de paternalismo). mas dá-se igualmente mal com os simulacros de igualdade de oportunidades. aliás, no modo como perspectivo estas coisas, o problema em causa não é apenas um problema de vontade. de homens ou de mulheres. se fosse, o problema que subjaz a esta discussão não era. problema. e, na minha perspectiva, é.

e tens razão. a conversa aqui está falocêntrica, muito entre machos. não tem piada. que venham elas, pois. se quiserem. embora, em meu entender, o problema não seja apenas um problema das mulheres. mas um problema de cidadania.

post-scriptum não reconheci antes, mas devo reconhecer. e depois há algumas embirrações e manias pessoais, minhas. o que é que justifica que ainda não sejam admitidas mulheres na corporação de bombeiros de ourém? porra!, hoje elas até já vão à tropa...

Actividade

Comentários Recentes

Mais Comentados

Arquivos

Flickr

Flickriver
Powered by Movable Type 4.38