Viver

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Tenho o hábito, mais ou menos regular, de ir ao Central ou Belle Epoque para o vício do café e da compra do Jornal. E faço-o sobretudo aos fins de semana, para quebrar a rotina. Para outros, se calhar, a rotina é isso mesmo. Mas adiante. Não vou falar da falta de árvores no novo Centro Histórico. Vou falar de outro deserto, o deserto de pessoas. Algures, num qualquer sábado passado, fui ao Central. Comprei o jornal, sentei-me num lugar junto à entrada e enquanto bebia o café reparei que lá fora, apesar do belo tempo que fazia, do corte do espaço ao trânsito, dos novos bancos e das esplanadas de dois cafés, não se via vivalma. Apenas os do costume, uns miúdos a chutar a bola, mais junto da Belle Epoque, com os pais lá dentro a observar, outros cá fora nas duas ou três mesas em alegre cavaqueira que acabaria passados uns 20 minutos. Acabando a hora de ponta, vão-se todos embora e o Centro Histórico retorna ao vazio. Ao Domingo, a mesma coisa ou por vezes não se ve mesmo ninguém. Não estou a contar novidade nenhuma, mas chego a reflectir se Ourém é de facto uma cidade sede de concelho ou um sítio. De que nos serve gastar dinheiro em novos equipamentos, em pedra, mão-de-obra, impor regras aos comerciantes, disciplinar o estacionamento, se depois, as pessoas não usufruem dos espaços? Se as praças continuam vazias? Se as pessoas não vão à cidade? Ourém não é a única cidade sem vida neste país mas não vou pescar a velha idéia de que os portugueses não gostam de sair, contrariando os espanhóis e as suas belas praças cheias de movimento até às tantas. E acho que isso se deve mais à maneira como as cidades são construidas e pensadas. Ou melhor, não são pensadas. Exceptuando os novos parques infantis que (e bem) são usados por uma carrada de crianças todos os dias, tudo o que posso observar sao obras feitas aqui e acolá, mas sem articulação. Foi construido um cinema, uma piscina e um Centro de Negócios numa área que se quer ser de lazer e já vi parte da requalificação da tão falada zona ribeirinha. Espero sinceramente que as obras sejam finalizadas, nem me importa que o façam em cima de eleições para mostrar serviço, porque os oureenses o merecem e evita de terem que fugir para Tomar ou Leiria se quiserem passear com os filhos ao ar livre. Só que o lazer em Ourém não deve estar circunscrito a uma zona única, tipo parque de diversões. E falo aqui das praças centrais, que deveriam ter outro movimento. Na praça junto à igreja, o novo parque infantil veio dar alguma vida ao local onde existia um antigo jardim com uma praça de taxis ao lado. Já lá fui várias vezes com a minha filha. No entanto, os bancos estão vazios e supostamente está lá um caixote que teria a função de quiosque, mas que nunca o vi aberto ao público. Porquê? Muitos me disseram que a renda era incomportável. Será mesmo só disso? Na praça em frente ao Central e Belle Epoque, a mesma imagem de desolação. No entanto, vamos ser realistas, as pessoas não vão à cidade, porque ao sábado, não encontram nada aberto! Falando naquela praça, quais são os comerciantes que abrem à tarde? Muito poucos. Está quase tudo fechado. Ora, é preciso motivar as pessoas a irem à cidade mas para isso é preciso motivar os comerciantes para se modernizarem, abrirem ao sábado e também os donos dos cafés e outras entidades. Como sei que falar é fácil fica aqui uma idéia que pode ser experimentada. Com tanta associação, academias, bandas e demais gente que por Ourém se interessa e pratica música, que tal mete-los na rua, nas praças, a tocar, à tarde ou à noite, para que venha gente ver e assistir de maneira aberta, para que as esplanadas se encham de gente, cá fora, a ouvir música ao ar livre? Porque é que para ouvir música, temos que o fazer em espaços fechados? Porque não conjugar isso com uma feira de artesanato na rua? Porque não falar com as livrarias e vender livros também? Porque não organizar teatro de rua na altura da Feira do Livro? Porque não convencer os comerciantes a abrir as lojas porque em vez de perderem, só ganham com o movimento? Em vez de cobrar taxas aos que vendem na rua, pedir em troca uma justa quantia para as associações e músicos que ficassem de animar o espaço? E se os demais comerciantes também participassem? E que tal isso ser feito num sábado ou domingo por mês, sempre que o tempo o permitisse? As idéias não valem nada se não forem implementadas. E neste caso não é preciso atirar dinheiro para o assunto, trata-se apenas de vontade e organização. Fica aqui a sugestão para quem a quiser agarrar, nomeadamente o poder local e associações. Vivemos o tempo inteiro a lamentar que não saimos da cepa torta, mas faz-se pouco para contrariar isso. Nem é preciso inventar muito, basta copiar as boas idéias.

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A desertificação.

antes de mais, aqui está um texto que eu gostaria de ter escrito. mas tipicamente sou mais dado ao desencanto que à esperança que o fred mostra, o que mais uma vez mostrarei a seguir.

tenho memórias muito vivas da minha infância em ourém. a chegada das férias do verão, e o calor que se faz sentir nessa altura, eram sinónimo de longas horas a brincar na rua e nos jardins de ourém, que estavam invariavelmente cheios de pessoas. e a palavra chave aqui é 'jardins'.

quando eu tinha 8 ou 9 anos, ourém tinha 2 jardins: o do café central e o da câmara. o do central preenchia toda a praça e o da câmara ia desde a mesma até à avenida. não havia comércio aberto nem teatro ou bandas nas ruas, mas toda a gente saía de casa para ir para os jardins.

em todas as cidades em que vivi desde então, os jardins (em londres há um por quarteirão) e os parques (em amsterdão há um por quarteirão) são uma constante. lisboa, que eu considero a antítese de qualidade de vida, está semeada de jardins e parques. braga tinha jardins de uma ponta a outra. o porto intercala os velhos edifícios cinzentos com jardins e tem o parque da cidade que vai da boavista à foz (em terrenos que a câmara podia ganhar milhões se os vendesse para construção).

em ourém, desde os meus 8 ou 9 anos até hoje, os jardins desapareceram para dar lugar a vastas extensões de calçada e estacionamento. a última estocada foi dada pelas obras recentes no coração da cidade.

é importante sugerir alternativas e propôr ideias como o fred faz, mas não acho que seja menos importante apontar os responsáveis pelo actual estado das coisas. e todos sabemos quem são, o poder em ourém mantém-se distribuído pelas mesmas 2 ou 3 famílias há mais de 20 anos.

Há ainda um parque que está nas memórias de todos os que passaram pela Secundária de Ourém, hoje chamado de Mata Municipal de Ourém. Sempre que posso, aos fins-de-semana, passo por lá com as minhas filhas (a que elas chamam "Mata do Lobo Mau") e elas adoram. Ao contrário do futuro parque de Ourém, este já lá exite há uns anos, e bastava tratar minimamente dele.

Ourem é um concelho com 46000 habitantes. talvez tudo o que fales fred tenha a ver com a impessoalidade com que a câmara é gerida, impessoalidade essa provocada pelo notório clientelismo que deixa as gentes acantonadas nas suas comunidades rurais, o concelho é grande e não há qualquer grau de proximidade com as pessoas nas suas políticas, a mais não é invulgar apareçerem nos lugares pequenos com os ares que se conheçe, e o sr DR p'rá qui sr DR p'rá li como se ainda vivessemos num tempo que os canudos fossem títulos nobiliárquicos!

Porque achas tu que que a cabeça de cartaz das festas seja a Ágata e este ano o Tony Carreira?

A cidade para muita gente é uma espécie de burgo fechado das tais duas ou três famílias de iluminados políticos, a apego do povo às suas freguesias e a recalcitrância em relação à urbe administrativa central são um espelho do atraso e ruralidade dominante do nosso concelho.É aliás condição sine qua non para que o estado de coisas se mantenha, e eles sabem bem disso!

Gostei dos vossos comentários, mas a maioria aponta para o mesmo: a cidade está como está porque a culpa é do poder local. Mas é redutor dizer apenas isso. Se as cabeças pensantes que nos governam deixam muito a desejar, o facto é que somos um povo ingovernável mas manso. E muitas vezes, quem cala, consente. Seremos apenas uma minoria?

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