Modelos de desenvolvimento, II

| 16 Comentários | No TrackBacks

No último artigo sobre Modelos de desenvolvimento, o Luís teve a paciência de me ler e de escrever um artigo onde expõe a sua opinião do que transcrevi do Blasfémias e acrescentei. Começa por concordar:

Estou de acordo que não é por causa de se ter um maior grau de educação que o nível de salários é mais elevado, por isso não apoio teses que afirmam a necessidade de o Estado gastar mais nesta área para tudo melhorar.

E que continua com:

Portanto, Portugal tem de procurar um modelo de desenvolvimento diferente onde a formação contínua, o conhecimento e a informação têm um papel relevante gerando inovação e um valor acrescentado elevado.

Concordo inteiramente. Mas depois afirma:

Por isso faz sentido investir mais na educação e no conhecimento, sem se estar com isso a dizer às pessoas que vão ter salários mais elevados e que tudo o mais fica na mesma, designadamente, os produtos objecto do seu trabalho.

É aqui que está o problema e onde tenho dúvidas. O que é investir mais na educação? Investir mais dinheiro? Investir em cursos e modelos de ensino obsoletos? Investir num sistema de educação que prima pelo facilitismo e pela relativização do conhecimento? Um sistema de educação que mete o aluno num pedestal até ao 12º ano e depois deixa-o à sua sorte na selva universitária, sem saber fazer contas e escrever português? É a criar cursos onde apenas o Estado possa ser empregador? O que fazer aos milhares de licenciados sem emprego? Porque é que o Estado não consegue colocar e empregar os professores que forma? Porque é que o Estado não controla os numerus clausus dos cursos de professores prevendo a falta ou excesso destes no ensino? Como é possível tanto licenciado (alguns também com mestrado) não ter emprego? É por terem maus canudos ou por não haver mercado que os absorva? Ou ambos? Retiro afirmações de Vasco Pulido Valente feitas recentemente sobre esta questão:

Nós temos dezenas de milhares de licenciados no desemprego. E já temos muita gente com mestrados também no desemprego.Uma das principais razões pelas quais temos tão maus resultados no ensino secundário e taxas de abandono tão altas é que a economia não os quer. Claro que a
principal causa foi a massificação do ensino.Mas se houvesse mercado eram os próprios alunos que desde muito cedo tinham interesse em qualificar-se.Como não há uma relação visível entre o mercado de trabalho e a educação, esta começa a ser considerada quase desnecessária.

Nós não precisamos de mais educação, precisamos de uma melhor educação. O ensino tem que ser obrigatório até ao 12º ano, mas para além de obrigatório na frequência, também tem que o ser na qualidade. Já seria um começo.

Voltando a Ourém, uma questão local, o Luís afirma:

Por outro lado, quando se defende um polo universitário em Ourém, isso nada tem a ver com o que atrás se discutiu, mas sim com os benefícios que podem decorrer de uma melhor interacção entre a escola e a empresa. Portanto, não se está a dizer que as pessoas que vão ser formadas daí a uns anos vão ganhar mais, mas sim que a presença desse tipo de ensino pode ser um catalizador do desenvolvimento no momento.

Mas que catalizador de desenvolvimento? Se existe uma coisa que em Portugal falhou foi a interacção entre a universidade e a empresa. Planta-se um polo universitário em Ourém com meia dúzia de cursos e espera-se que floresça um tecido empresarial que as absorva, no concelho? De repente, o empresário local, decide não gastar o dinheiro no bmw do ano para empregar e pagar um salário a uma fornada de novos licenciados da universidade local? O que florescia era o aluguer de quartos (sem recibo), bares, discotecas e centros de cópia. Em Agosto, ficavam às moscas. Os exemplos que deu, Aveiro, Minho e Caldas da Rainha sempre teve dinâmica empresarial e industrial. A criação de universidades foi uma consequência natural, tal como aconteceu em Leiria. Também estou de acordo com a descentralização de universidades, mas o que acontece é que os empregos continuam centralizados em Lisboa e Porto. E isso deve-se à criação de universidades, politécnicos e institutos no país fora sem olhar primeiro para a criação de empresas, capazes de atrair os melhores, gerar emprego, produzir riqueza, catalisar o desenvolvimento.

No TrackBacks

TrackBack URL: http://mtng.marques.cx/mt-tb.cgi/451

16 Comentários

Caro Fred
Estou de acordo com quase tudo que diz, mas que já é sensivelmente diferente do que está escrito no primeiro artigo.
Assim, parece-me evidente que é preciso uma melhor educação. A massificação do ensino tem produzido alguns maus resultados. Julgo que tudo melhoraria com turmas mais pequenas no secundário, melhor matemática, melhor português e mais avaliação. O aluno tem que parar onde não sabe e repetir a aprendizagem.
Diz-se que algumas licenciaturas têm sido um passaporte para o desemprego. Também estou de acordo e concordo que é preciso que haja uma articulação entre o que a economia vai ter necessidade e o que as pessoas desejam ser. Tem que se acabar com a mentalidade de tirar facilmente um curso para ter um canudo. É preciso planear e saber trabalhar com as vagas. É preciso também abrir em áreas que não tendo procura se saiba que são estratégicas como as matemáticas, as engenharias, a informática.
Mas para além desta constatação da desadequação da licenciatura relativamente ao trabalho, há que notar algo importante. Andamos todos a construir uma coisa há uns vinte anos. Mas em momento de emprego temos sempre uma mentalidade focada localmente. Nós temo-nos esquecido que estamos na Europa, que temos cidadania europeia, que um engenheiro português pode e deve procurar trabalho na França e Alemanha. Por que é que isto não acontece? Porque é que a Europa só serve para uma ou duas cadeiras Erasmus, para a saída de divisas em mestrados e doutoramentos? Haverá pouca divulgação de oportunidades de emprego lá fora? Meus amigos, a nossa atenção nesta pesquisa tem de ultrapassar estas barreiras, o país já não é fronteira e por isso não serve para esta argumentação. Não podemos ser europeus com mentalidade de província.
Finalmente, a questão do polo universitário em Ourém. Mantenho o que disse e sustento que as pessoas formadas nesse polo não têm que ter colocação em Ourém. Mais, não se pense que um polo universitário é uma coisa isolada sem interacção com outros locais de formação, ele estará com certeza integrado numa rede de procura e divulgação de conhecimento. Não terá Ourém nada que justifique uma formação universitária que possa oferecer ao país e à Europa? Discordo. Desatarão todos a rir se eu falar no palhete e na floresta, mas há aí oportunidades para formação em gestão, engenharia da produção, qualidade e marketing. O mesmo se diga em relação ao móvel. Além disso, há os eternos turismo, hotelaria e religião. Finalmente, como nenhuma dessas áreas pode viver hoje sem isso, sistemas de informação.
Tenho visto na Castelo sistematicamente lamentações pela falta de animação em Ourém. É uma terra um tanto morta como já era no meu tempo. Já imaginaram a vida que ganharia com um polo universitário?

Aqui está um exemplo do que aconteceu com o Polo da Católica em Leiria:

Recorde-se que a Católica de Leiria iniciou a sua actividade em 1991, em resultado da mobilização da sociedade civil. Os primeiros sinais de crise são admitidos em 1998 por João Beato, que entretanto sucedera a Carlos André na coordenação do pólo. Três anos depois, o reitor anuncia que não haverá mais admissão de novos alunos. Apesar da resistência de alunos, pais e professores, o pólo foi-se degradando, ao ponto de restarem apenas cinco alunos neste momento.
O entusiasmo que contribuiu para que a Católica abrisse e mantivesse um pólo em Leiria, também associado a interesses políticos, parece ter acabado. A Católica caiu no esquecimento, sendo previsível o seu encerramento.

É com alguma tristeza que vejo que o modelo de educação defendido pela direita é muito mais eficaz que o proposto pela esquerda. O caso alemão é gritante: nas 'províncias' governadas pelo CDU, com um modelo de liceu; ensino secundário médio e ensino secundário base há muitos melhores resultados quando comparados com as 'províncias' do SPD, onde invariavelmente se optou por uma escola unificada. Não por acaso nestes últimos as médias no fim do liceu são mais elevadas, mas nas provas de acesso ao ensino superior as posições invertem-se imediatamente.

O que eu gostaria de ver neste campo, o Luís que me perdoe, era concorrência entre as Câmaras Municipais (para que o seu concelho tivesse melhores escolas que os circundantes, por exemplo) e dentro do mesmo concelho, entre as escolas. E só há um modo de fazer isto: dar liberdade programática às escolas (dentro de certas balizas) e tirar o dinheiro do Estado das escolas e dá-lo aos pais, para que estes possam escolher em que escola querem os seus filhos. Certo e seguro que as escolas se preocupariam mais com a qualidade do seu ensino.

Esqueci-me de dizer por que defendo a concorrência entre os municípios: como as coisas estão, estes borrifam-se completamente para o ensino, e podem prometer mundos e fundos, que se não os cumprirem a culpa é do governo central.

Tivessem os Srs. Presidentes que prestar contas aos munícipes sobre o que tinham feito ao seu dinheiro (de impostos municipais) e as coisas piariam mais fino: ou prometiam e não cumpriam, sendo julgados nas próximas eleições, ou para cumprirem os sétimos céus do costume tinham que aumentar os impostos municipais e por isso seriam igualmente julgados.

O resultado: promessas realistas; melhor gestão e planeamento; e sobretudo, mais uma vez, mais responsabilidade (e os direitos que se ganham com ela) sobre os cidadãos, em vez de tudo se atirar para cima do Estado.

Para terminar :)

Luís, o procurar emprego lá fora, é certo, é cada vez mais uma realidade e tenho vários amigos que o fizeram e juram só cá voltar no Verão para apanhar sol. Eu próprio já o fiz há uns anos e o ano que vem logo dirá se volto a emigrar ou não. No entanto, não é tão simples como possa parecer: há famílias; responsabilidades; amizades; etc., coisas que não se largam sem mais nem menos. Mas sim, na generalidade concordo que há muitas pessoas que se queixam 'de barriga cheia' porque podiam facilmente sair de Portugal (os felizardos).

No Castelo, tem-se assistido a um saudável debate em torno de modelos de desenvolvimento em que o Ourém blog participou.

Nos últimos comentários, verdadeiros posts, o Pedro (pfig) tem vindo a desenvolver um conjunto de posições muito interessantes. Já estou desorientado se estou a responder ao I ou ao II Modelos de Desenvolvimento, mas prossigo por aqui.

Não vou comentar as suas opções de descentralização/regionalização, pois desconheço o problema, embora possa ler sobre o mesmo. Mas há em alguns aspectos associados às mesmas alguns elementos que não me soam bem. Por exemplo, as câmaras financiarem o ensino com impostos municipais. E como vai ser isto, Pedro? E as assimetrias de desenvolvimento? E que impostos são esses? Iva municipal, IRS municipal, IRC municipal? Duzentas e tal máquinas de cobrança de impostos que vão substituir a máquina central? Duzentas e tal vezes os problemas que temos agora? Ou outros impostos? Mas isso é um sufoco...

Há, no entanto, uma ideia que julgo que poderia ser explorada e que tem a ver com o financiamento do ensino aberto à iniciativa privada. Para não tornar esse comentário muito longo, desenvolvi essa ideia no meu blog no artigo que encontrarão aqui

Luís, já se paga hoje contribuição autárquica e o sistema não vem abaixo por isso.

Uma última nota sobre este assunto, tirada na íntegra do Blasfémias:

Como é que o director de uma escola secundária a pode gerir bem se não pode despedir nem contratar funcionários e professores, não sabe quanto valem as instalações que utiliza, não é ele que define os salários, não pode promover os melhores professores, não tem autonomia para diferenciar a oferta, não pode cobrar propinas nem escolher os seus alunos? Gerir bem o quê e como?

Caro Pedro,
Esses e outros argumentos do Blasfémias são anedóticos.
Desde quando é que a capacidade para despedir faz parte dos requisitos para uma boa gestão numa escola pública?
Pedro, contratar e despedir são concretizações extremas das categorias alocar recursos e libertar recursos, que fazem algum sentido na empresa capitalista.
Eu garanto-lhe que qualquer director de escola pode executar a sua função com muito menor constrangimento se souber que, se libertar uma pessoa, ela não fica sujeita ao desemprego. Não precisa dele, dispensa-o, o ministério ou outro director trata de o recolocar e, se precisar de alguém com perfil diferente, pode requisitá-lo. O ensino não funciona melhor perante a imagem do “pão numa mão e espada na outra”. Isso é uma forma dita eficiente de funcionar que, no fundo, é uma forma de terrorismo.
A economia não é um fim em si, ela existe para servir as pessoas, por isso, por vezes pode ser, numa perspectiva social, muito mais correcto manter algumas garantias do que tratar pessoas como se meros números se tratassem.
Fico por aqui. Um bom Natal para todos, especialmente com os desejos de que desemprego e despedimentos terminem de uma vez por todas.

Luís,

se bem percebi, ao encontrar um incompetente o Estado deve acarinhá-lo e suportá-lo? Era o que faltava!

No caso de ser um excelente profissional, mas pura e simplesmente não se enquadrar numa determinada escola, de certeza que facilmente encontrará emprego num projecto que se enquadre no seu perfil.

Caro Pfig,
Como não existe ninguém absolutamente incompetente ou absolutamente perfeito, entendo que só vale a pena defender um determinado modelo de desenvolvimento económico-social a partir do momento em que o mesmo ofereça uma segunda ou terceira oportunidade às pessoas e a possibilidade de reciclagem e de reorientação profissional. Se chama a isto acarinhar, tudo bem…

Quem define quantas 'oportunidades' se dão? Por que não mais uma, que pode ser dessa que resulte? Por que é que tem que ser o Estado o responsável pela reciclagem e reorientação profissional, a pessoa é estúpida e não percebe que tem que mudar?

Em última análise o que o Luís defende é que as escolas públicas fiquem com os 'restos' que as outras não querem, como se fossem instituições de caridade e não de ensino. E todos sabemos o resultado disso para a qualidade do ensino.

Uma última nota relativamente ao emprego: o modelo proposto pelo Luís, onde o despedimento feito pelo Estado é um crime, apenas defende quem está já empregado, e não faz nada pelos desempregados, que são quem mais precisa de ajuda, nem cria empregos. Para demonstrar este último ponto, compare-se a taxa de desemprego inglesa com a francesa, por exemplo (com a nossa não porque passados 30 anos ainda não fizemos 1 décimo das reformas necessárias).

Um abraço,

Pedro

Pfig,
você imputou-me coisas que eu nunca afirmei.
Não interessa, penso que por agora este tema está esgotado. Gostaria agora de o ver cocretizar o cheque-saúde. É que o da educação não me parece muito difícil, mas este... a sério, como é que os liberais o vão implementar?

O cheque-saúde é implementado muito simplesmente: em vez de enterrar quantidades infindáveis de $$ no SNS, o que está mais que visto que não leva a lado nenhum, alimenta-se a competição entre os hospitais no seu todo (públicos e privados).

Sempre que alguém sem seguro de saúde precise de utilizar os serviços de um hospital público, mas não possa ser atendida em tempo útil pelo SNS, o Estado pagará a diferença para que a prestação do serviço seja feita por um privado. Este modelo funciona há anos (décadas?) no Canadá, por exemplo, que é largamente reconhecido como sendo um dos paises com melhores serviços de saúde no mundo.

Já agora, a rotulagem que me é feita como liberal só pode ser fruto do desconhecimento mútuo entre nós. O que eu acho que deve ser feito é olhar para as hipóteses propostas pelos vários modelos e escolher as melhores de cada um deles. Em alguns casos os liberais têm as melhores propostas, noutros não. Nos temas que temos vindo a discutir são claramente quem apresenta as melhores soluções, em minha opinião.

Um abraço,

Pedro

P.S. Eu nunca disse que o Luis afirmou istou ou aquilo, o que disse foi que as conclusões lógicas das suas palavras são aquelas que apresentei (e com as quais não posso concordar).

Caro Pfig,
Tenho algumas reservas em relação a este cheque-saúde.
Ele junta a prestação de cuidados por entidades públicas e privadas. Parece-me que, de acordo com ele, quem se dirigir a uma entidade pública, pagará uma taxa moderadora e é a diferença para essa taxa que você refere como a prestação do Estado nas outras condições.
No entanto, não percebo qual o papel atribuído às companhias de seguro e ao seguro de saúde, elementos cuja presença me parece forçada.
Por outro lado, penso que poderíamos ser mais liberais no sistema. Com um sistema quase totalmente gratuito (isto é, já financiado pelos impostos), mas bem normalizado, o utente poderia escolher entre o público e o privado. Não tenho tempo para desenvolver isto hoje, mas, num dia da próxima semana, talvez consiga.
Um abraço

Além dos impostos não darem para tudo (e eu neste campo ser defensor de quantos menos impostos melhor, mais $$ no bolso das pessoas), todo o bem com custo nulo é mal utilizado e abusado. Daí que as taxas moderadoras sejam uma necessidade.

Ora viva, meus caros.
Contrariando as vozes que me acusam de dificuldades de coabitação com o Castelo e cumprindo o que tinha prometido, eis a minha contribuição para um cheque-saúde com taxas moderadoras e tudo (para evitar abusos). Está tudo aqui

Actividade

Comentários Recentes

Mais Comentados

Arquivos

Flickr

Flickriver
Powered by Movable Type 4.38