6.20€, o preço do (meu) destino

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Não sou inclinado a simpatias. Mas há um momento em que convicta e prazenteiramente digo boa noite. Quando chego à portagem de Fátima. Depois de, vindo de Lisboa, galgar os cento e tal quilómetros por esse não-lugar que é a Áum, quase sempre a desoras, a velocidades proibidas, acompanhado pelo conforto que a solidão da madrugada me entrega, encontro habitualmente um de dois homens, os portageiros. Nada mais sei deles - para além daquele seu trabalho -, mas sinto que os conheço muito para além do que os posso conhecer. Às vezes gostava de conversar com eles. Sobre o tempo. Sobre as notícias da hora ou do dia. Sobre o ofício da noite. Sobre a vida. Ao baixar o vidro da porta do carro para lhes entregar o ticket reconheço nos seus gestos, nos seus modos, no seu cumprimento, na sua face, uma humanidade que raramente descubro noutros lugares ou noutras pessoas. Encontro naqueles dois homens, de quem não sei o nome, uma vez num, outra vez noutro, a melhor recepção que poderia desejar. Discreta. Afável. Simples. Talvez até plena. Os nossos encontros raramente vão para além de um minuto. Terminam no instante em que, a troco dos meus seis euros e vinte cêntimos, eles me entregam o recibo da portagem e dizem boa noite e boa viagem. Não é por eles que regresso a casa, a Ourém. Mas é uma satisfação encontrar-me furtivamente com eles, ali, às portas daqui, na fronteira entre o estranho e o familiar. Pois, para mim, eles são os primeiros embaixadores deste lugar, aqui mesmo. Aliás, não reconheço melhores, anfitriões, ou sequer outros.

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2 Comentários

Também sou um utilizador frequente da Áum e das portagens de Fátima. Lembro-me também que durante vários anos habituei-me a ver sempre as mesmas caras no momento do pagamento, e sim, sempre simpáticos, mas não aquela simpatia artificial, feita de propósito para agradar. Sentia que era genuina. Depois de 120km de estrada sabe sempre bem dizer um bom-dia ou boa-noite. Coisa que deixei de fazer desde que uso a ViaVerde. A tecnologia tem destas coisas. Poupa-me tempo e filas de espera, mas confesso que me dá mais jeito à entrada de Lisboa do que a chegar a Fátima. Qualquer dia ao passares no sensor de pagamento, poderás ouvir pela rádio, uma voz gravada e mecanizada de 'Bem vindo'.

Se existem profissões solitárias esta é uma delas. Mas intriga-me também a vida dos homens do lixo, padeiros, guarda nocturno, etc... São todas estas profissões maioritariamente nocturnas e solitárias que permitem em grande parte que a "máquina do mundo" funcione.

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