A elite (muito) macha

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Hoje, o mínimo que se espera das elites – e que se lhes exige – é que sejam esclarecidas e informadas e que não reproduzam o catecismo das ideias feitas, sem outra ilustração que não os pré-conceitos e os preconceitos. Vem isto a propósito de um depoimento de Carlos Batista, presidente da ACISO, prestado ao Jornal de Leiria (n.º 1026, 11.Março.2004, p. 3), sobre a actual situação das mulheres na sociedade portuguesa.

Segundo Carlos Batista, em Portugal “a discriminação sexista já está muito diluída”. Não!, não está. É um facto que nas últimas décadas as mulheres acederam a espaços e a condições que antes, por tradição ou por lei, lhe estavam vedadas. Essa mudança é inequívoca e insofismável. Mas isso não permite fechar os olhos ao facto de que é sobre as mulheres que continua a recair, como se fosse sua obrigação, o grosso das tarefas domésticas. O que, na prática, significa que a discriminação com base no sexo não está diluída. Ela subsiste onde sempre existiu, escondida dentro das paredes do lar, no foro privado. E é por subsistir aí que em muitas circunstâncias as mulheres são também discriminadas no espaço público. No fundamental, o que se verifica é que, na grande maioria das situações familiares, é por os homens não assumirem os seus deveres em casa que as mulheres não podem gozar, em igualdade de oportunidades, os seus direitos na rua.

Ainda segundo Carlos Batista, “os quadros médios e superiores femininos, no geral, ganham o mesmo que os homens”. Não!, não ganham. O que os muitos estudos credíveis sobre este fenómeno têm demonstrado é que existe uma desigualdade no plano remuneratório entre homens e mulhes que desempenham funções idênticas ou com cargos similares, em prejuízo destas. Aliás, este cenário só não é evidente na função pública, devido à mais eficaz regulação dos processos de recrutamento e de progressão na carreira e do estatuto remuneratório.

Por fim, talvez a mais sinistra das sentenças, disse ainda Carlos Batista que “a questão da maternidade já não é factor impeditivo para contratar mulheres, pois algumas abdicam dos seus direitos de maternidade em favor do homem”. É no mínimo confrangedor este modo de colocar o problema. Primeiro, por haver nele um reconhecimento implícito: a maternidade não é factor impeditivo da contratação de mulheres não porque esse direito lhe seja reconhecido pela entidade empregadora, mas porque a mulher acederia a não gozar o total da licença de maternidade. Depois, porque o referido discurso é o típico expediente de mandar areia para os olhos dos outros. Pois são raros, raríssimos – as estatísticas demonstram-no – os casos em que os homens têm gozado de licença de paternidade. Para além disto, sabe-se que, em termos genéricos, as mulheres têm mais dificuldade a conseguir emprego do que os homens. E sabe-se também que, em termos genéricos, as mulheres são mais proprensa a situações de desemprego ou de emprego precário do que os homens.

Seria uma satisfação saber que este tipo de julgamento e de juízo, expressão de um patriarcalismo atávico, só existe em Ourém e no presidente da ACISO. O problema, porém, é que não é só Ourém e não é apenas Carlos Batista que alimenta tal espécie de tradicionalismo camuflado de sofisticação. É por isso que o combate às formas sublimadas de obscurantismo e a mudança têm também de passar por aqui, por Ourém. Urgentemente.

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1 Comentário

O que são elites?????

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