a cidade e a serra

| 1 Comentário | No TrackBacks

O primeiro sinal da nossa passagem pelo mundo é o espaço, o modo como dele nos apropriamos. A primeira consequência de uma civilização é uma cidade: o que fazemos ao sítio que habitamos. Este tema tem adquirido a importância que lhe é devida na pós-modernidade depois de uma modernidade excessivamente optimista e confiante no homem como progresso científico. Foi olvidada a História e os Locais. Propagandeou-se um "estilo internacional" matriz para todos os territórios e todas as civilizações. É justamente a recuperação daquilo que foi esquecido e em certa medida destruído o programa do pós-modemismo.
Ao cruzar as estradas do país, percorrendo as ruas das cidades, um olhar mais sensível, há a sensação de um abandono. Uma leve impressão de que as coisas são assim, mas estão assim apenas porque já não há ninguém que delas cuide. Lembro-me do "habitar", vem-me à cabeça o texto do filósofo alemão em que se funde e confunde o habitar com o amar. Com o dar sentido a nós e à terra, ao sítio, ao passado e ao futuro. Com o erguer da casa e do templo, como a casa pode ser o templo ou a cidade uma casa. Lembro-me da sabedoria humilde dos antigos que em trabalhos e esforços ocupavam orgulhosamente um território a que chamavam seu, não porque estivesse registado no notário, mas porque simplesmente o trabalhavam, o amavam... e tantas vezes apenas basta um pequeno gesto! Mas para tal é necessário olhar. Antes, aprender a olhar, ser sensível ao belo que já existe, cuidarmos das heranças antigas, respeitarmos a respiração das coisas. A riqueza não é apenas económica é também cultural, e não me refiro apenas aos livros que lemos nem aos filmes da nossa vida, a riqueza e a cultura residem também no silêncio de umas pedras antigas, numa árvore que nos lembramos sempre ali terem existido, num jardim do qual recordamos a primeira vez que nos apaixonámos. As nossas vidas são ricas pelas memórias que transportamos, pela beleza que guardamos da nossa passagem pelo mundo: isto distingue-nos dos outros seres vivos.
Chegados aqui, não podemos culpar as imperfeições da democracia nem o poder político que nos representa. Ao lermos o território português não deixamos de nos sentir culpados pela poluição urbana que se nos depara: por actos ou omissões. Se é facto que as autoridades competentes estão pouco interessadas num crescimento, como agora se diz, sustentado, do território, não é menos verdade que os movimentos cívicos da locais são poucos ou mesmo inexistentes. É perigoso, pode hipotecar o futuro. Autocracia e política do "facto consumado" justapostas com a resignação de uma população que não sabe, não pode, ou não quer participar e muito menos agir, é o paradoxo em que vivem as autarquias. Se formos mais fundo nesta arqueologia da civilização podemos ainda recordar os problemas graves da educação, os alarmantes níveis de ileteracia, os poderes mais ou menos legítimos da comunicação social, os modelos que desta mesma comunicação social importamos, distorcemos e adaptamos livre e inconsequentemente para as nossas vivências.
Nada justifica esta calamidade pública e política, nem os jogos da pequena e ultramontana política nem sequer a ausência de participação dos cidadãos (nossa!).

No TrackBacks

TrackBack URL: http://mtng.marques.cx/mt-tb.cgi/120

1 Comentário

Continuando o tema, é interessante a entrevista dada por Gonçalo Ribeiro Telles ao Jornal de Leiria. Destaco o seguinte:

JL – Que balanço faz, passados todos estes anos?
GRT – Péssimo. Fomos pioneiros na adopção de legislação do ambiente e andámos para trás de uma maneira trágica. O território nacional está em ruptura. Basta olhar para a paisagem, para a qualidade de vida das populações e para o modo como estão resolvidos os problemas dos recursos. Esta ruptura conduzir-nos-á a situações deploráveis, comparáveis apenas às do Terceiro Mundo.


JL – O que é necessário fazer para que haja uma política consciente de ambiente?
GRT – Uma grande compreensão dos responsáveis técnicos e políticos pelo que é hoje uma política de território e recursos naturais. Coisa que não existe em Portugal. O País está dominado por um desenvolvimento errado, que não passa de crescimento sectorial de apenas dois ou três sectores. Pensa-se que se pode resolver os problemas nacionais – por exemplo, a identidade cultural e a independência -, através da construção civil, através do equilíbrio do PIB, com a florestação intensiva do interior e através de áreas privilegiadas de regadio que não existem.

Actividade

Comentários Recentes

Mais Comentados

Arquivos

Flickr

Flickriver
Powered by Movable Type 4.38